Leitor mais especializado em um assunto será leigo em outro tema

Sabine Righetti

O trainee do Programa de Treinamento em Jornalismo em Ciência e Saúde da Folha Gabriel Alves, 28, é biomédico, doutorando e estudante de matemática. Ou seja: ele é  um cientista.

Mas isso não significa que ele domine todas as áreas da ciência. Ele tem dificuldade, por exemplo, em física.

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Essa discussão é importante porque, no jornalismo científico, costumamos dividir o mundo entre “cientistas” e “leigos”. Mas não podemos nos esquecer de que cientistas também são leigos em áreas da ciência que eles não dominam.

Quando nosso trainee-cientista lê uma reportagem de Ciência+Saúde da Folha, ele pode não conhecer o tema abordado. Por isso, é importante que todas as reportagens partam do princípio de que seus leitores são leigos naquele assunto.

Pedi que o Gabriel escrevesse um texto sobre a questão de ser leigo em ciência, mesmo sendo também um especialista. O resultado está abaixo!

A mais nobre das ciências

Gabriel Alves

Paper (papel, em inglês) é como são chamados os trabalhos publicados em revistas científicas e são constituídos basicamente de um amontoado de muita informação amarrado pela tentativa de se extrair dali uma história inédita. Não me crucifiquem antes da hora. Eu adoro papers. Já até escrevi alguns.

Depois de me formar biomédico, tive o desejo de continuar minha formação acadêmica. Tive que ler muitos papers. Mas sempre que queremos ler um que não é da nossa área ou de áreas correlatas há necessidade de muita força de vontade e esforço intelectual. Mais fácil, quase sempre, é pedir ajuda pra alguém.

Por esse raciocínio, faz muito sentido que o jornalista de ciência busque, quase sempre, a opinião de especialistas para reportar, da melhor forma possível, novos estudos e descobertas. “Especialistas em tudo” nunca foram abundantes. Ao contrário, polímatas como Leonardo da Vinci sempre foram raríssimos.

Se me perguntassem no que eu sou especialista, eu teria de explicar minha tese de doutorado (a ser defendida em breve) e dizer que sei um pouco mais do que a média das pessoas numa subsubsubárea da biologia. Eu queria ser menos “especialista” e um pouquinho mais parecido com Da Vinci.

Decidi fazer matemática para aprender a linguagem universal das ciências. E a física, a mais nobre das ciências (segundo alguns físicos), nunca poderia ser uma disciplina tão correlata e ao mesmo tempo tão indecifrável. Qualquer tentativa de aproximação acadêmica era uma autoflagelação intelectual. Talvez eu goste da física como mistério, assunto de bar.

Mesmo sabendo cálculo, formalizado por Newton e Leibniz para descrever a natureza (no grego φύσις – physis, daí física), nunca deixei a física “contaminar” meu universo matemático. Talvez tenha sido um defeito do curso, de não nos obrigar a cursar disciplinas de física, mas agora eu me reservo o direito de ser ignorante, além de outros assuntos, também na nobre ciência.

Se papers de sociologia e geografia são difíceis, os da física, pra mim, ainda são os piores. O que consola é que existem pessoas que gostam (e entendem) física.

A tarefa do jornalista de ciência é achar alguém que consiga, além de arrancar significados daquelas equações e teorias, também transmitir os segredos do universo para seres humanos comuns, indignos de se aproximar de tanta nobreza.