Pense nos outros

aballes
Por Marcelle Santos, trainee da turma 56
 
Além de jargões jornalísticos, regras de padronização e estilo, e procedimentos internos da Folha, aprendemos, nos últimos meses, sobre as qualidades que fazem um bom repórter.
 
Os conselhos de Hemingway para aspirantes a escritores são um bom complemento a essas lições.
 
No livro “Hemingway on Writing”, o escritor norte-americano (que se refere a si próprio como “Seu Correspondente”, abreviado S.C.) se dirige a um jovem escritor arquetípico (apelidado “Mice”) para falar da importância de observar e de ser um bom ouvinte –características que nós, jornalistas iniciantes, também precisamos desenvolver. Segue tradução livre de uma troca de perguntas e respostas:
 
MICE: Como um escritor pode treinar a si próprio?
 
S.C.: Veja o que acontece hoje. Se um peixe aparecer, perceba exatamente o que é que todo mundo faz. Se você se empolgar ao ver o peixe pulando, puxe pela memória até entender exatamente qual foi a ação que te despertou aquela emoção. Se foi a linha saindo da água ou a maneira como ela se firmou como uma corda de violino até que dela começaram a pingar gotas, ou o jeito como o peixe se bateu e jogou água quando saltou. Lembre-se de quais foram os ruídos e do que foi dito. Descubra o que te deu a emoção; qual ação que te empolgou. Depois escreva isso com clareza para que o leitor também consiga ver e ter a mesma sensação que você teve. É um exercício fácil.
 
MICE: Tudo bem.
 
S.C.: Depois entre dentro da cabeça de uma pessoa para variar. Se eu brigar com você, tente descobrir o que eu estou pensando e também como você se sente a respeito. Se Carlos xingar Juan, pense nos dois lados. Não pense simplesmente em quem está certo. Para um homem, as coisas são como devem ser ou como não devem ser. Como um homem, você sabe quem está certo e quem está errado. Você tem que tomar decisões e executá-las. Como escritor, você não deve julgar. Você deve entender.
 
MICE: Tudo bem.
 
S.C.: Agora escute. Quando as pessoas falarem, ouça completamente. Não pense no que você vai dizer. A maioria das pessoas nunca escuta. Nem observa. Você deve ser capaz de entrar numa sala e ao sair saber tudo o que você viu lá e não só isso. Se aquela sala te trouxe alguma sensação você deve saber exatamente o que foi que te deu essa sensação. Experimente treinar isso. Quando você estiver na cidade, fique de pé do lado de fora do teatro e veja como as pessoas diferem no jeito como elas saem de táxis ou carros. Existem mil maneiras de treinar. E sempre pense nos outros.
 
 
Para refletir e, sobretudo, treinar.