O dia em que estava de plantão e meu amigo morreu
Por Rafael Foltram, trainee da turma 56
A Agência Folha precisava reforçar um plantão de final de semana e eu me ofereci para trabalhar, apesar de já estar com a passagem para a minha cidade comprada.
Naquele sábado, cheguei à Redação antes das 10h e comecei a fazer a ronda em outros Estados e no interior de São Paulo, áreas cobertas pela Agência, para verificar se algo de importante estava acontecendo. Nessa ronda, checamos sites de jornais locais, ligamos para os comandos das polícias e dos bombeiros etc.
Logo fui pautado para fazer um caso de assassinato. Assim que comecei a me informar sobre o crime, vi que conhecia a vítima há mais de uma década. Foi um grande choque. Tive várias dúvidas: será que consigo continuar trabalhando? Devo pedir para não fazer a matéria? Isso vai afetar o meu trabalho?
A primeira coisa que fiz foi explicar a situação para a chefia do plantão, que me deixou livre para ficar de fora da pauta.
Decidi prosseguir com o trabalho, sabendo que aquele seria um ótimo exercício da imparcialidade que precisamos ter em qualquer cobertura.
Por meio de amigos em comum e familiares, consegui levantar mais informações sobre o crime. Me policiei fortemente todo o tempo para não cair na armadilha de defender quem eu conhecia e negligenciar o outro lado. Deixei de lado a minha relação com a vítima e foquei nos fatos, fui objetivo e contei da melhor forma possível o que aconteceu naquela trágica noite. Acredito que conseguimos fazer uma boa e equilibrada cobertura sobre o caso.
O jornalismo tem disso: é impossível saber o que te espera no próximo expediente.
Caro Rafael, sinto muito pela sua perda e me compadeço da sua dor, no entanto gostaria de deixar registrada minha revolta quanto a sua postura. Você provavelmente é jovem e acha que um bom trabalho é mais importante do que muita coisa, mas eu posso te dizer que não é. Sua atitude de “herói da classe” e “jornalista imparcial”, capaz de lidar com toda e qualquer situação, é exatamente o que o seu patrão espera que você faça, não o que o jornalismo precisa que seja feito. Precisamos de histórias, sim, mas não as custas do sentimento humano. Jornalismo não é isso. Você lidou de maneira errada com essa situação. Espero que o treinamento da Folha não pasteurize o restante da sua classe como fez com você.
Meus sinceros pesares.