Trabalho na Redação: Dia 1

aballes
 Por Fabrício Lobel, trainee da turma 56
 
Quarenta minutos depois de entrar em um carro do jornal, estou diante de um terreno com quatro casas. O portão está aberto e diante dele cinco mulheres conversam. O local é o bairro de Itaim Paulista, na periferia de São Paulo. O motivo da minha visita é acompanhar os desdobramentos de uma tragédia familiar. Aquele era meu primeiro dia de trabalho na redação da Folha e tudo o que eu sabia era que uma mãe havia deixado os filhos sozinhos em casa e, enquanto isso, um incêndio consumiu toda a residência e matou uma garota de nove anos e um menino de cinco.
 
Assim que desci do veículo, fui notado como um estranho. Carro com motorista, crachá no pescoço, camisa com mangas dobradas, bloco de anotações na mão. Tudo denunciava minha intromissão. Sem muito jeito, começo a conversar com as mulheres em frente ao portão da casa e descubro que uma delas é avó das crianças. Ela começa a chorar e eu logo penso em como (e se devo) continuar a entrevista. A avó consente em falar. Sigo a disparar perguntas, portanto.
 
Sou convidado a entrar no local do incêndio, avalio mais uma vez minha intromissão, mas sigo corredor adentro até uma pequena casa de três cômodos nos fundos de um terreno com outras três casas igualmente pequenas. Tudo ali é ruína e sujeira. Tento gravar mentalmente o maior número de detalhes possíveis. Saio da casa e converso com vizinhos e parentes. A mãe não está, resolveu se esconder do assédio da imprensa que poderia acusá-la de abandono. 
 
Sigo de carro até a Distrito Policial onde o delegado me recebe e logo abre o jogo: “Apesar do envolvimento da mãe com drogas, não podemos dizer que isso tenha alguma relação com o eventual abandono dos filhos, o que pode vir a ser provado futuramente”, disse sem que eu dissesse nada. Ele me concede cópias do boletim de ocorrência e dos depoimentos da mãe e uma tia das crianças. No depoimento, a mãe admite que não estava em casa no momento do incêndio, que era usuária de cocaína e que havia deixado as crianças sozinhas, apenas pedindo que uma vizinha desse uma olhada nelas.
 
Tento mais uma vez encontrar a mãe, em vão. A família pede que eu respeite o luto deles. Recuo pela primeira vez. Retorno para a redação sem saber como abrir o texto, sobre o que dar destaque. Achei que as informações obtidas haviam sido poucas. 
 
Escrevo uma versão completa do texto, com todas as informações que tinha. Prestes a publicar, uma repórter mais experiente (Fernanda Pereira Neves), se apossa do meu texto, muda tudo e, finalmente, o melhora. Assim, ela me livra de cometer um engano ao colocar no título o que eu havia escrito na última linha. Obrigado a ela.

 
O texto foi publicado aqui.
 

 

 

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