Ossos do ofício?
Por Bruno Lee, 25, trainee da turma 54
Em que parte do dia deixamos de ser jornalistas? Tenho feito essa pergunta ultimamente.
Provavelmente durante as poucas horas de sono a que um trainee da Folha tem direito. Nas outras, andamos, comemos, sentamos, bebemos e levantamos jornalismo.
Tome o relato do colega Miguel sobre o acidente como exemplo. Lá estava ele, em “trajes civis”, quando, de repente, um carro capota embaixo da sua janela. Cadê o meu crachá da Folha?
Um dia desses, presenciei cinco policiais tentando prender um sujeito bêbado. A violência empregada era claramente desnecessária, pois não havia risco à integridade física dos oficiais. Chutes, socos e cassetetes. Digno ao menos de uma notinha, creio eu. Renderia uma boa foto.
Passei a enxergar potenciais pautas em todos os lugares. “Olha aquela figura atravessando a rua ali. Daria um bom personagem.”
Passei a ouvir potenciais pautas em conversas com amigos. “Em que rua fica esse buraco do tamanho de uma cratera que você acabou de mencionar?”
É viciante.
Ramiro, sou jornalista há quase dez anos. E você? Preguiça? Onde? Já fui repórter e editor, fiz coberturas importantes, começando a trabalhar por volta das 8h da manhã e chegando em casa por volta das 2h da madrugada, dormindo pouco e saindo cedo no dia seguinte. O grande problema da profissão é que justamente o reconhecimento, a precariedade dos equipamentos em muitas das redações (computador velho, entre outros), a pejotização, a falta de perspectivas para se subir de cargo, e a ignorância da maioria dos colegas. Foi o que vi neste período. Sobre trocar de profissão: sim, já considero ouvir minha mãe e advogar por três anos para depois tentar a sorte num concurso, e quem sabe chegar à magistratura.
Abraço.
Prezado Wilian,
Sou leitor e vejo no seu texto um grande tema:
a preguiça!
Você descreve a dificuldade em levantar dados, apurar, ver a pertinência do assunto. A impressão que tenho é que você gostaria que o texto “caísse pronto” no seu colo.
É esta queda na qualidade de apuração e edição que aflige a produção de conteúdo.
Espero que perceba que não existe atividade fácil. O glamour criado no jornalismo atraiu muita gente que acha que é fácil. Não é (ou não deveria ser)
Boa sorte em sua nova profissão
É, sim. No começo é assim mesmo! Mas, depois você fica de saco tão cheio, mas tão cheio, que só pensa em voltar pra casa e dormir. Fica puto quando um assessor te liga. Fica bravo quando vê a caixa de e-mails cheia. Começa a ver que os policiais espancando um mendigo pode não render nada porque se não tiver testemunha, ou algo que comprove a violência desnecessária, você estaria acusando-os de algo que oficialmente pode não ser verdade. Ou seja: eles batem e você corre o risco de ser processado (a). Fica desacreditado porque a chefia do jornal não dá a mínima para a sua grande matéria só porque eles acham que fere os interesses do jornal… Aí você aprende que o negócio é fazer o seu, ganhar o salário e ficar de boa. Ou melhor, começa a crer que é melhor mesmo procurar outra coisa pra fazer da vida, que jornalismo já era.