Desapegando do texto

Paula Leite

Por Leonardo Vieira, 24, trainee da turma 54

O bom jornalista é aquele que se desapega do seu texto. Pode parecer estranho, mas pude sentir na prática a validade dessa sentença. A cada exercício no programa de treinamento, os editores rabiscavam minhas frases com tamanha desenvoltura que, ao final, o papel mais parecia uma obra abstrata, digna ser exibida no Masp.

É claro que ninguém gosta de ter suas intenções e pensamentos modificados pela edição, mas num jornal, é assim que funciona. O que nos resta, caro leitor, é encarar as alterações da edição como um aprendizado, quase uma lição de pai para filho. Eu explico. Como repórter, tenho certeza de que meu editor também já esteve, um dia, na minha sofrida posição. Imagino o quanto de texto dele já foi modificado por outros editores, e por aí vai… Com isso, o que realmente fica entre as gerações é a linguagem jornalística e o modo de se fazer um jornal diário.

Antes de entrar para o programa de Treinamento da Folha, eu mostrava com orgulho meus textos a amigos, familiares, colegas de trabalho. Compartilhava no Facebook matérias minhas que haviam sido publicadas em veículos… Fazia tudo isso já com aquele sentimento de autocontemplação, além de ansiar pelos elogios dos meus “críticos” leitores, é claro.

Mas grande parte desse mundo em que vivia foi-se embora assim que pisei na Alameda Barão de Limeira, 425. A cada exercício no treinamento, um choque de realidade. Além de toda a estrutura do texto jornalístico – lide, sublide, pirâmide invertida… -, incorporei mais uma preocupação na hora de rabiscar o bloquinho: o Manual de Redação da Folha.

Para revelar a real dimensão da complexidade dessa tarefa, mostrarei os comentários feitos pelo meu editor a um pequeno trecho do texto que escrevi para um exercício do treinamento. Consegui a proeza de receber cinco críticas ou questionamentos nas seis linhas do parágrafo. O material original foi posto em itálico e as intervenções da edição, em negrito. Caro leitor, seja bem-vindo ao fantástico mundo da edição – desta vez, sem cortes:

Ainda presente na memória de muitos brasileiros (dispensável), a trajetória de Maria Thereza se confunde em grande parte com a própria História do Brasil. Prima distante de Getúlio Vargas, a ex-primeira dama era vizinha de seu futuro marido, na pacata (pequena?) cidade gaúcha de São Borja. Seu primeiro contato com Jango foi aos 13 anos, quando a pedido de seu tutor, Dinarte Dornelles, ela foi levar (levou) uma correspondência ao então poderoso vizinho (O que Jango fazia na época?). A troca de olhares foi fatal. João Goulart, já com 31 anos, foi cativado pela beleza e simpatia de uma tímida (como você sabe que ela era tímida?) Maria Thereza.

Comentários

  1. Essa relação entre repórter e editor é complicada mesmo. Mas uma das questões que eu levanto não é tanto desapegar do texto, vejo uma falta de alinhamento. Eu mesma levei 1 ano para compreender o pensamento do meu ex-editor, quando comecei a escrever do jeito que ele gostava ou seguia os padrões do veículo, foi ótimo, pois ele perdia menos tempo reescrevendo a minha matéria e ao final fiz um bom trabalho.

    Outras questões são quando você discorda do seu editor, ou quando você entende de mais do assunto do que ele, aí fica nesse impasse de vaidade. Complicado isso. O jeito é ter paciência e ouvir a “voz da experiência” para não enfrentar conflitos diários.

  2. Parabéns ao relato do Leonardo Vieira. Muito boa a correção feita pela editora. Profissional e tirando viés subjetivo.
    Fiquei feliz ao ver ao tipo de treinamento a que são expostos os futuros jornalistas.

  3. Complementando o comentário anterior.
    Acredito que o NEF ficará mais interessante quando vocês trouxerem exemplos práticos.
    Exemplo: traga um texto de Mercado onde as milhares de siglas foram transformados em algo intelegível ao público médio. Traga exemplos de como a matemática pode ser usada em favor do bom jornalismo. Um dos temas mais interessantes foi o cálculo do número de pessoas num evento que o blog trouxe há mais de 2 anos. A participação foi imensa com todo tipo de cálculo possível, mas todos aprenderam
    Bom é só um leitor dando pitaco (ou seja pode ser irrelevante no jornalismo hierárquico)
    Abraços a todos
    Ramiro

  4. Prezada Paula,
    Com todo respeito pelo trabalho que vocês fazem ( e entendo que a vida de jornalista não é fácil), gostaria de fazer algumas sugestões p. o blog:
    1) Um dos aspectos mais importantes do sistema em rede é justamente a interação com o usuário final, não seria importante trazer o contraditório aqui no blog;
    2) Explico: o conteúdo do blog passou a ser relato dos trainees (veja não é uma crítica). Poder ser essa mesmo a função do blog. Explorar o texto, como feito no post acima é bem interessante;
    3) Pode ser que o blog seja um exercício interno e não seja pertinente a participação de leitores (é um objetivo legítimo, ser um blog interno)
    4) Se for isso e a participação de agentes externos for dispensável, sugiro (novamente não é uma crítica) o fechamento do blog ao público externo
    Respeito o trabalho de vocês e entendo se esta opinião também for dispensável. Mas acredito que vocês estão perdendo uma ótima oportunidade de entender ( e exercitar) como funcionará este “mundo interativo”.

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