Uma pauta que chegou pela janela
Por Miguel Martins, 26, trainee da turma 54
As janelas da minha vida sempre foram pacatas. Das janelas das casas e dos apartamentos em que morei em Brasília, não me recordo de alguma que desse para uma rua movimentada.
Morando em São Paulo, estou experimentando pela primeira vez uma vista “quente”. O apartamento onde estou hospedado dá para a av. Nove de Julho, que liga a zona sul ao centro.
Na madrugada do dia 23/9, tinha acabado de voltar do Pacaembu e estava prestes a ouvir a gravação que fizera da coletiva do técnico Muricy Ramalho, após derrota do Santos para a Portuguesa por 3 a 1. Foi então que, mesmo com os fones no máximo, ouvi um estrondo. Vinha da minha janela.
Um carro acabara de capotar do outro lado da Nove de Julho, quase atingindo um prédio. Em poucos segundos uma multidão se aglomerou para socorrer o motorista. Eu, perplexo, decidi descer. Meu primeiro instinto foi de ajudar, mas sabia que o acidente, pelo impacto visual, podia se tornar uma pauta. Tinha a estranha sensação de estar descendo pelos dois motivos.
O conflito pessoal desapareceu quando cheguei no local e vi que o motorista do Toyota Corolla capotado estava consciente e bem. Ao sair do carro, algumas pessoas próximas passaram a ironizar o garoto, que não tinha mais de 20 anos de idade. Segundo uma das testemunhas, ele teria cortado quatro carros em alta velocidade antes de bater na traseira de uma Pajero.
Um dos mais nervosos era o motorista da Pajero. Contei pra ele que havia visto o acidente da janela do meu apartamento. Depois, revelei de forma constrangida ser jornalista da Folha. A minha falta de experiência atrapalhou. Ele até se propôs a responder minhas perguntas, mas estava tão agitado que logo se afastou.
Tentei apurar com os policiais. Me apresentei como repórter para o mais tímido deles. Ele me apontou para seu colega, responsável pela ocorrência. Este me apontou para um terceiro policial, que “cuidava da imprensa”.
O sargento me atendeu com certa rispidez. A toda pergunta, dava uma resposta pronta, como “esse tipo de comportamento dos motoristas sobrecarrega o trabalho da polícia”. Não me deu muitas informações. Quando fui pedir os nomes dos envolvidos, me cortou e tocou para a delegacia.
Pedi autorização para tirar uma foto. Sabia que, dada minha apuração amadora, minha nota só teria chance de ser publicada pelo apelo visual de um carro invadindo um jardim de um prédio. O lado “voyeur” da minha pauta tinha seu motivo: tudo começara na janela.
Antes da televisão, as janelas não eram, como escreveu João do Rio, “caleidoscópios da vida”, um local para observar a cidade funcionando – ou deixando de funcionar?
Em São Paulo, a minha janela é indiscreta.