10 dicas para fazer um bom podcast jornalístico
Mais de 20 milhões de pessoas escutam podcast no Brasil, segundo a última Podpesquisa, elaborada pela Associação Brasileira de Podcasters, divulgada em dezembro de 2020. Ainda segundo o estudo, 70% dos 626 produtores ouvidos iniciaram seus trabalhos nos últimos três anos e 8% dizem ter pelo menos um podcast de jornalismo.
Diante desse fenômeno jornalístico, o blog conversou com jornalistas que estão à frente de projetos conhecidos e líderes de audiência para elencar 10 dicas de como fazer um bom podcast de notícias. Foram entrevistados Magê Flores e Natália Silva (Folha), Rodrigo Vizeu (Spotify Brasil), Mari Faria (Foro Teresina, da revista piauí) e Évelin Argenta (Rádio Novelo).
1. Antes de fazer, ouça
Para criar um bom produto, é necessário conhecer o ramo e ter referências de outros projetos que estão dando certo em plataformas de streaming. Escutar podcasts ajuda a conhecer as narrativas dos apresentadores, os modos de edições e os gostos do público medidos pelas audiências dos programas.
Segundo a editora de som da editoria de Podcasts da Folha, Natália Silva, é necessário, sempre que possível, escutar os conteúdos hospedados nas plataformas de streaming. “Para gravar e editar podcasts é preciso escutar muito, tanto as coisas novas que você gosta, quanto as que você não gosta, até para entender o motivo da sua escolha. Com o tempo, eu fui começando a explicar para as pessoas por que eu gostava de certo podcast e por que não de outros”.
A coordenadora de projetos da produtora de podcasts Rádio Novelo, Évelin Argenta, também destaca a importância de escutar podcasts frequentemente: “Aprendemos muito ouvindo. É bem legal quando a gente nota uma nova edição explorada por algum programa, como a mudança de ordem das sonoras, por exemplo.”
Entre os podcasts jornalísticos recomendados pelos entrevistados estão o Café da Manhã (Folha), O Assunto (G1) e o 123 segundos (BandNews FM).
Entre os semanais estão o Foro de Teresina (revista piauí), Malu tá ON (O Globo) e Vidas Negras, um podcast original do Spotify e apresentado pelo jornalista Tiago Rogero.
Para quem entende inglês: o The Daily, do New York Times.
2. Há espaço para jornalismo investigativo e humor sofisticado
O produtor de podcasts do Spotify no Brasil e criador do Café da Manhã, Rodrigo Vizeu, considera que ainda faltam podcasts de jornalismo investigativo, o que pode ser uma dica para quem está pensando em criar um novo programa.
“A maioria [dos atuais podcasts jornalísticos] está dedicada a atualizar os ouvintes sobre os acontecimentos diários, analisá-los e explicá-los. Ainda vejo espaço para investigações de longo curso, dedicadas a um tema específico.”
Nesse sentido, ele sugere que novos podcasters vão atrás de informações exclusivas. “O furo é a matéria-prima fundamental do jornalismo, então será excelente ver o jornalismo em áudio cada vez mais atuando nessa linha de frente.”
Recentemente, o portal de notícias UOL lançou o podcast “UOL Investiga”. A primeira temporada, “A Vida Secreta de Jair”, tem quatro episódios e é apresentada pela colunista Juliana del Piva, que traz detalhes de um suposto envolvimento direto do presidente da República, Jair Bolsonaro, no esquema de rachadinha, quando ainda era deputado federal.
Por outro lado, a diretora do podcast Foro de Teresina (revista piauí), Mari Faria, acha que ainda há espaço para podcasters que saibam explorar o humor e a ironia de forma sofisticada. “No audiovisual, já vemos algo bem sofisticado, como o Porta dos Fundos e os stand-up da Hannah Gadsby (comediante australiana)”.
Aqui no Brasil, como referência no humor, Mari cita o É Nóia Minha, apresentado por Camila Fremder, e o Respondendo em Voz Alta, de Laurinha Lero.
3. Espontâneo é diferente do improviso
Segundo a última pesquisa da Associação Brasileira de Podcasters, 66% dos produtores fazem seus programas “única e exclusivamente por hobby”. Se você é um deles, provavelmente, não terá muito tempo para se dedicar à produção do podcast.
A editora de podcasts da Folha e apresentadora do Café da Manhã, Magê Flores, destaca que a mesa redonda (quando apresentadores discutem um tema entre si ou com convidados) é um dos formatos mais fáceis de se fazer. “As mesas redondas podem ter menos roteiro, você não precisa gastar muito tempo decidindo quais são as palavras certas para se usar naquela ocasião. Não exige a precisão de um podcast narrativo, por exemplo; além de que você não precisa editar tanto, já que o tom de conversa permite que o podcast seja algo mais informal.”
O podcast de política da revista piauí, Foro de Teresina, é um dos programas jornalísticos que seguem esse formato. Nele, Fernando de Barros e Silva, José Roberto de Toledo e Thais Bilenky debatem o que aconteceu de mais importante no mundo político nos últimos sete dias.
A diretora do podcast, Mari Faria, ressalta que a produção desse formato é mais do que colocar apresentadores para debater um tema específico.
“Não subestime as possibilidades de formatar. O Foro é um podcast de mesa redonda, dividido em três blocos, com uma abertura e com um momento de humor.”
Mari Faria destaca a importância de elaborar um roteiro. “Além dos temas de cada bloco, a gente faz uma pesquisa elencando as ordens de abordagens dos assuntos e conversa antes sobre quem vai falar cada parte. É uma bagunça organizada porque o espontâneo é diferente do improviso.”
Mesmo num monólogo, é preciso ter roteiro para que as informações sejam bem encadeadas e transmitidas de forma concisa.
Existem vários outros estilos possíveis de podcast jornalístico, como o de entrevistas, quando o apresentador traz um convidado diferente por episódio e extrai dele informações importantes e curiosas.
4. Vire parte da rotina do seu ouvinte
A periodicidade é fator determinante. Se você não tem tempo exclusivo para a produção, evite fazer um podcast diário e pense na possibilidade de torná-lo semanal ou quinzenal.
Para Magê Flores, da Folha, a periodicidade é um compromisso que o podcaster assume com o ouvinte e se torna essencial, inclusive, para os índices de audiência. “O podcast tem tudo a ver com hábito. As pessoas escutam, por exemplo, quando estão indo ao trabalho, lavando louça, etc. É importante ser regular, para fazer parte da rotina de alguém.”
O produtor de podcasts do Spotify, Rodrigo Vizeu, pondera que a relação do podcast com os hábitos dos ouvintes torna a vida mais difícil dos produtores de programas mensais. “É desafiador criar hábitos com um podcast mensal. Não que seja inviável, mas o ouvinte está habituado a uma entrega mais constante, seja ela diária, semanal ou ao menos quinzenal”.
Para a coordenadora de projetos da Rádio Novelo, Évelin Argenta, podcasts noticiosos devem ser publicados, no mínimo, uma vez por semana, mas há espaço para audiodocumentários mensais ou quinzenais.
“Depende muito do que a pessoa quer fazer. Se é algo mais factual, aí fica mais difícil, mas se for um documentário ou uma discussão sobre determinado assunto mais frio, aí é possível. É meio a lógica de revista e jornal.”
5. Lembre-se que você vai falar no ouvido da pessoa
Grande parte das pessoas escuta podcasts pelo fone de ouvido, ou seja, a relação entre ouvintes e podcasters é íntima. Tenha em mente que você falará no ouvido de alguém.
“Você muda o tom de voz ao pensar nisso. Você vai falar um pouco mais baixo, sem gritar”, destaca Natália Silva, editora de som da editoria de Podcasts da Folha.
Já Magê Flores, do Café da Manhã, sugere informalidade. “Preste atenção na forma como você se comunica, incorpore como se você estivesse num bar. As minhas frases são mais curtas e mais diretas. Eu começo a história não necessariamente com o lead, às vezes começo com o fator mais sexy da história.”
O produtor de podcasts do Spotify no Brasil e criador do Café da Manhã, Rodrigo Vizeu, destaca que há várias possibilidades de linguagem para um podcast, mas lembra que uma expressiva parcela de ouvintes é de jovens.
Segundo pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Podcasters, a média de idade do ouvinte de podcast é de 28 anos no Brasil.
Évelin Argenta, que migrou para a produtora Rádio Novelo depois de 10 anos em emissoras de rádio, não vê muitas diferenças entre as linguagens dos radialistas e dos podcasters. De acordo com ela, a distinção está principalmente nos ouvintes e não na linguagem em si.
“A questão é que na rádio estamos falando com muita gente de vários tipos, então temos que ser mais amplos. Já no podcast, podemos ser mais nichados. Por exemplo, se eu tenho um podcast sobre vinhos, eu posso utilizar uma linguagem mais específica para quem gosta de vinho, diferentemente de um comentarista de rádio, que teria que ser mais geral.”
6. Qualidade do som é fundamental
O conteúdo do podcast é muito importante, mas todo o esforço gasto na produção e pesquisa serão em vão se as pessoas não conseguirem ouvir o seu programa. Pense no microfone que será utilizado e no local onde ocorrerá a gravação.
De acordo com Natália Santos, da editoria de Podcasts da Folha, apesar de os microfones de fones de ouvido não serem ruins, compensa comprar um com qualidade melhor. “Tem microfone de R$ 100 e de R$ 5 mil. Não é necessário fazer um investimento tão alto, até porque hoje estamos mais acostumados com o som de reuniões virtuais, mas para falar com o ouvinte acho que é legal comprar um microfone melhor.”
Para gravar off (a abertura do Café da Manhã, por exemplo), os microfones cardióides são os mais indicados porque captam o que vem de frente do microfone e excluem sons externos, como os das motocicletas que passam nas ruas.
Caso o podcaster queira gravar em ambientes externos, o microfone do tipo “boom’’ é o mais indicado, mas o “lapela” também pode ser utilizado.
Na hora de gravar, atente-se ao local. Natália recomenda o armário: “Não é necessário entrar no armário, mas se você conseguir colocar o microfone lá dentro e por algumas almofadas no fundo, o som vai ficar bom”.
7. Faça um test-drive
Antes de gravar o seu primeiro episódio publicável, faça um teste. O piloto, como é chamado esse ensaio, é uma chance de checar se o projeto tem nexo, se o roteiro está ajustado e se o som está adequado.
“O piloto é bom para testar o projeto e o microfone, por exemplo. Ver o que funciona e o que não funciona. A gente conversa muito todo o dia, mas não percebemos como falamos. Preste atenção nas palavras que você utiliza, escute e depois ajuste, se for necessário”, destaca Magê Flores, da Folha.
Évelin Argenta, coordenadora de projetos da Rádio Novelo, segue o mesmo argumento: “Às vezes temos uma ideia que funciona na nossa cabeça e até no roteiro, mas não no áudio porque o tom não fica legal. Então, tem que fazer muitos pilotos até acertar. O primeiro roteiro do Praia de Ossos (podcast que conta a história do assassinato de Ângela Diniz) teve 11 versões, até encontrar o adequado.”
Ao gravar o piloto, não necessariamente os convidados devem ser famosos que você pretende chamar quando já estiver gravando episódios publicáveis. “Recomendo sempre que se faça piloto. Deve-se avisar o entrevistado com transparência, chame aquele seu amigo que você imagina participando de um episódio real e explique a situação, ele vai entender”, explica Rodrigo Vizeu, do Spotify .
Mari Faria conta que o Foro de Teresina teve dez pilotos, antes de ser veiculado.
8. Softwares gratuitos ajudam a edição
Existem vários programas gratuitos que permitem que o próprio podcaster faça a edição, mas não é tarefa fácil mesmo depois de assistir a tutoriais.
Para a editora de som de podcasts da Folha, Natália Silva, a plataforma Audacity está entre as melhores gratuitas. Porém, nesse caso, é necessário que o som dos apresentadores e entrevistados esteja mais nítido, já que o programa não possui ferramentas muito avançadas para tratamento de áudio.
Natália também analisa a possibilidade de contratar um editor de som. “Pagar depende da complexidade. Se o seu podcast é de entrevistas, é melhor você investir um dinheiro na captação do som, em um estúdio, por exemplo. Agora, se tiver trilhas e outros efeitos sonoros, talvez seja melhor dividir a grana entre a edição de som e a captação.”
Évelin Argenta, da Rádio Novelo, recomenda o “Pro Tools”, programa que é utilizado pela produtora. Se você não quiser gastar dinheiro com a edição, a plataforma disponibiliza uma versão gratuita, o “Pro Tools First”.
9. Explore as redes sociais
As redes sociais podem ajudar a alavancar a audiência do podcast e torná-lo mais conhecido.
Crie meios que possam garantir uma relação mais íntima entre o podcaster e os ouvintes, como enquetes e publicações que vão além do conteúdo presente no episódio do programa.
“Não é incomum que uma reportagem, uma série de TV ou um podcast não produzidos por empresas grandes, acabe caindo no gosto geral, já que isso ocorre muito graças ao boca a boca da internet e das redes sociais. Acho bem importante a promoção de podcasts nelas, seja em canais específicos ou por meio dos apresentadores e convidados deles”, sugere Rodrigo Vizeu, do Spotify.
Mari Faria, diretora do Foro de Teresina, também concorda com a importância da internet como fator de promoção dos podcasts e recomenda que os apresentadores explorem as ferramentas de todas as redes sociais.
“É um recurso importante. É preciso entender como as ferramentas funcionam, não só nas redes, mas nas próprias plataformas de streaming, em todas que você conhecer”.
10. Pré-entrevista
Se você tiver tempo e o entrevistado também, faça uma pré-entrevista, converse com quem vai participar do seu programa e tire desse diálogo prévio os principais pontos a serem abordados.
Esse processo garante um foco maior durante a gravação do episódio e economiza tempo de edição, já que o conteúdo do programa estará mais direcionado.
“Para uma entrevista, por exemplo, com um personagem do noticiário com o qual você pretende obter revelações, não é o caso, até porque você não vai querer antecipar todas as perguntas a ele. Já para uma conversa, por exemplo, onde o tom será mais explicativo, pode ser uma boa repassar os temas para que você tenha certeza de que aquela conversa se encaixa no episódio de podcast que está construindo”, aconselha Rodrigo Vizeu, do Spotify.
Para ele, não há problemas se essa conversa prévia ocorrer por meio de aplicativos de mensagens de texto, como o WhatsApp.