Livro compara cultura jornalística de mais de 60 países
A maior parte dos jornalistas brasileiros confia pouco nas instituições políticas, é cada vez mais influenciada pelo retorno dos leitores e vê na profissão um papel híbrido de reportar os fatos e fortalecer a tolerância e a diversidade social.
O perfil foi traçado com base em dados levantados pelo Worlds of Journalism Study (WJS), projeto acadêmico internacional que reúne pesquisadores de universidades renomadas ao redor do mundo.
O trabalho, que teve início com um projeto-piloto entre 2007 e 2011, ganhou forma num amplo estudo de 2012 a 2016 que envolveu 67 países. Ao todo, 27.500 jornalistas que trabalham em Redações foram entrevistados —entre eles, 376 brasileiros.
Todo o material está agora consolidado no livro “Worlds of Journalism – Journalistic Cultures Around the Globe” (Mundos do Jornalismo – Culturas jornalísticas ao redor do globo, em português), publicado pela Columbia University Press. Em 2020, a obra ganhou o prêmio anual de melhor livro do International Journal of Press and Politics (IJPP).
Logo na introdução, um compromisso é firmado com o leitor: os mais de 40 autores se comprometem a apresentar a diversidade do mundo jornalístico por meio de uma análise comparativa sem privilegiar a visão ocidental.
Eles tecem uma crítica ao domínio imposto pela prática e teoria ocidentais nos estudos da comunicação, o que, afirmam, enviesa muitas das análises e faz os pesquisadores partirem de uma espécie de ponto comum que pode fazer pouco —ou nenhum— sentido para determinadas nações, como as orientais.
“A perspectiva ocidental vê o jornalismo como essencial para a criação e manutenção da democracia participativa (…). [Mas] para países que saíram há pouco tempo do colonialismo, por exemplo, o jornalismo é uma maneira de superar a miséria deixada”, diz um trecho.
Os autores sugerem ainda que, em termos numéricos, o jornalismo praticado na democracia ocidental, em especial nos Estados Unidos, pode não representar o modelo dominante no mundo.
As análises comparativas na obra privilegiam a correlação de fatores locais com a cultura jornalística do país. A confiança nas instituições políticas, por exemplo, tende a ser baixa para jornalistas em regiões que passaram por mudanças políticas, socioeconômicas e culturais significativas ou, então, enfrentam instabilidade.
O Brasil conta com uma representante no projeto. A pesquisadora Sonia Virginia Moreira, professora da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), participa desde a fase piloto e é coautora de um dos capítulos do livro.
Em conversa com o Novo em Folha, ela afirma que a pesquisa avança ao construir uma base de dados sobre a profissão, algo consolidado em outros países, mas escasso no Brasil, e que a importância principal do livro reside em conhecer a profissão “por dentro”.
“Durante muitos anos, nós, na academia, produzimos material sobre o jornalismo e os meios de comunicação em termos gerais. O jornalista, figura fundamental, ficou um pouco para trás nisso”, diz. “A maior contribuição de uma pesquisa como essa é de efetivamente conhecer o profissional, o jornalista, o trabalho cotidiano, os desafios e os dilemas éticos.”
O livro pode ser adquirido no site da Columbia University Press nas versões física ($35.00) e ebook ($34.99). Boa parte dos dados e de análises relacionadas também está disponível (em inglês) no site do Worlds of Journalism Study.
A terceira edição da pesquisa, a ser desenvolvida até 2022, já teve início. O número de países abarcados cresceu: agora, são 110. A professora Sonia Virginia Moreira explica que novas perguntas foram formuladas para o questionário enviado aos jornalistas, entre elas questões sobre os impactos da pandemia de Covid-19 na profissão.