Fotógrafa finalista do Pulitzer retrata traumas sexuais de ex-militares

Paul Lloyd estava no mercado procurando por lâmpadas e parou para cheirar algumas velas expostas nas prateleiras. De repente, Rachel Lloyd viu o marido chorando no chão, com as mãos cobrindo o rosto. Uma das velas tinha um cheiro muito similar ao xampu que ele usava no banho durante o treinamento no Exército em 2007, quando foi espancado e estuprado por outro recruta.

“Quando isso acontece, você volta para lá. Sua mente volta à dor do momento da agressão de ser jogado contra a parede várias vezes, ser forçado a fazer coisas, ter sua mandíbula aberta à força. É um inferno, e não há como escapar disso”, relata Paul Lloyd, 30, para a fotógrafa Mary F. Calvert, que registrou o exato momento em que o cheiro serviu como gatilho para lembranças assombrosas do ex-militar.

A imagem faz parte de uma fotorreportagem publicada no jornal The New York Times ​que retrata seis homens sobreviventes de agressão sexual nas forças armadas. Calvert foi finalista do Pulitzer deste ano pelas imagens dessa matéria, escrita por Dave Phillipps, correspondente que cobre assuntos militares.

A fotojornalista tem se dedicado, nos últimos seis anos, a retratar os traumas na vida civil de mulheres e homens que serviram no Exército. Primeiro, seu trabalho focou as mulheres que foram vítimas desse assédio. Em um relatório do Pentágono em 2019, 6,2% das mulheres disseram que já sofreram agressão sexual, enquanto as respostas dos homens corresponderam a 0,7%.

Porém, como há muito mais homens do que mulheres no Exército, o número absoluto de vítimas tem sido aproximadamente semelhante. Estima-se que a cada ano cerca de 10 mil homens são agredidos sexualmente nas forças armadas norte-americanas, sendo as vítimas geralmente jovens recrutas de baixa patente.

Na maioria dos casos, o que predomina é o silêncio das vítimas, que se sentem humilhadas e envergonhadas de delatar as agressões.

Lloyd passou 14 dias no hospital com sangramento interno e o reto rasgado e não contou para os médicos o que havia acontecido. “Eu senti que não podia dizer nada. Pareceria um fracasso total para a minha família, meu pelotão e para mim mesmo.”

Em 1973, após ter sido estuprado quatro vezes, Bill Minix, 64, foi denunciar os ataques sexuais e recebeu um status de dispensa não honroso. A vergonha impediu que ele contasse para a família o motivo de ter saído e seus pais morreram sem falar com ele e sem saber a verdade.

“Entrei na Força Aérea uma pessoa e saí outra. Sinto que minha masculinidade foi tirada de mim.” Ele conta que participou, junto de outros recrutas, de uma “iniciação” imposta pelos militares mais velhos. “Fomos forçados a fazer atos sexuais que nenhum de nós queria.” Os adolescentes foram obrigados a fazer sexo oral ou eram sodomizados.

Em 1966, a falta de recursos que protegiam as vítimas era ainda mais acentuada. Jack Williams tinha 18 anos quando um sargento da Força Aérea o estuprou na mesa de seu escritório. “Se você dissesse que foi estuprado, as pessoas iam pensar que você era homossexual ou pedófilo e seria tratado como se a culpa fosse sua”, disse Williams, 71.

Os estupros se tornaram recorrentes, mas, assim que Williams terminou seu treinamento básico, relatou às autoridades o que tinha acontecido e aguardou por uma investigação, que nunca foi feita. Ele passou a receber críticas da cadeia de comando pela sua atuação, que estava debilitada porque ele perdia treinamentos para receber tratamento para os rins e reto danificados. Jack Williams foi considerado clinicamente inapto e forçado a sair das Forças Aéreas.

Atualmente, são cerca de 61 mil veteranos reconhecidos como vítimas de agressão sexual pelo Departamento de Assuntos de Veteranos, que oferece tratamento e compensação pelos danos causados. Williams é um deles. “Eu tinha um futuro, queria servir meu país e fui bom no que fiz. Isso tudo foi tirado de mim.”