Financiamento estatal pode ajudar a salvar o jornalismo, diz especialista
O jornalismo com valor de serviço público precisa de algum sistema de apoio externo —que pode ou não vir do governo— para não desaparecer, defende Nicholas Lemann, jornalista americano com 40 anos de carreira e ex-diretor da faculdade de jornalismo da Universidade Columbia.
Em um ensaio para a New York Review of Books embasado em 14 livros sobre a profissão, Lemann questiona a ideia de que somente as assinaturas são um sistema viável para manter os veículos vivos.
Ele compara o jornalismo a outras funções tidas como essenciais à sociedade, como pensões para idosos e o sistema educacional, que jamais seriam viáveis na escala atual se dependessem apenas do mercado.
“Ou o jornalismo sobre assuntos de interesse público não é de fato essencial ou ele precisa de um sistema de apoio mais confiável, porque na maioria dos casos as suas fontes de receita comercial colapsaram, possivelmente para sempre”, escreve.
Lemann sugere a possibilidade de adotar subsídios diretos do governo. “Quase todos os jornalistas americanos reagem a essa ideia com uma repulsa visceral, especialmente agora. Mas a gravidade da situação pede que sujeitemos as nossas presunções automáticas a uma análise mais cautelosa”, sugere.
Lemann reconhece que tal sistema não seria perfeito, mas cita a pesquisa acadêmica como exemplo de algo sustentado em boa parte pelo Estado americano e que, até agora, não se exime de produzir estudos que possam contrariar o governo.
Outros exemplos sustentáveis, defende, seriam os veículos independentes e sem fins lucrativos, como a ProPublica e o Texas Tribune. Essas Redações operam, em sua maioria, a partir de um misto de financiamento externo e doações de leitores. A ProPublica, por exemplo, foi criada como iniciativa filantrópica de um banco de investimentos e hoje se mantém principalmente com dinheiro de fundações.
O jornalista ainda aponta para a necessidade de desfazer fantasias comuns dos jornalistas sobre a profissão a fim de pensar modos realmente novos de mantê-la viva.
Alguns desses mitos seriam, por exemplo, a ideia de que o jornalismo sempre foi um ambiente libertário e de que as reportagens críticas sobre o serviço público seriam uma tradição democrática que remonta à fundação dos EUA. Os livros consultados por Lemann atestam que os jornais começaram como ferramentas para influenciar a política e que a chamada era de ouro do jornalismo, ocorrida na segunda metade do século passado, foi fruto de condições específicas àquela época.
“Jornalistas são viciados em esperança”, escreve Lemann, e “as visões otimistas seguem surgindo”. “As duas principais no momento são as de que as organizações noticiosas podem ter sucesso econômico ao trocar a publicidade pelas assinaturas como fonte principal de renda, e de que patronos ricos irão comprá-las e bancá-las como perdedoras de dinheiro com base em seu espírito público.”
Ambas as hipóteses seriam baseadas em exceções, como o caso do New York Times —que se sustenta hoje com mais de 5 milhões de assinaturas, mas cuja margem de lucro é inferior a 10%— e de jornais comprados por bilionários, como o Washington Post (Jeff Bezos) e o Boston Globe (John Henry).
Ao final, o autor define a crise do jornalismo como uma versão extrema do desmonte ocorrido em outras áreas com o advento da internet. “A fé cega de que as forças do mercado e as novas tecnologias iriam sempre produzir uma sociedade melhor resultou em mais desigualdade, no desmantelamento negligente de arranjos existentes que tinham valor real, e em um vácuo acentuado entre as cidades dominantes e as províncias”, escreve.