Cobertura de escândalos de governantes perdeu influência na política, defende analista

Cobrir acontecimentos continua a ser a principal tarefa de jornalistas, mas eleições ou guerras perderam seu poder de influência na política atual. A opinião é de David Brooks, colunista do jornal The New York Times, em artigo publicado no último 26 de dezembro.

“Vimos acontecimentos gigantescos como o impeachment [de Donald Trump, na Câmara], as audiências de Kavanaugh [Brett Kavanaugh, juiz da Suprema Corte americana acusado de assédio sexual], a investigação de Mueller [relatório do procurador especial Robert Mueller sobre a suposta interferência russa na eleição de 2016] e as fitas ‘Access Hollywood’ [em que o então candidato republicano faz comentários machistas]. Eles vêm e vão e mal deixam rastros nas pesquisas, na paisagem política ou nas avaliações de Donald Trump”, escreveu.

No texto, intitulado The Media Is Broken (a mídia está quebrada), Brooks defende que “padrões geográficos e psicossociológicos hoje ofuscam eventos no impulsionamento de lealdades políticas e de resultados eleitorais nacionais”.

O colunista menciona a história de colonização de uma determinada região do país ou se um indivíduo mora em uma cidade ou em uma zona rural como fatores para prever se os votos irão para democratas ou republicanos nas eleições deste ano. “Demografia é destino”, afirma.

Brooks, 58, avalia que houve uma multiplicação de grupos sociais na população americana nas últimas décadas, o que faz com que a cobertura de acontecimentos políticos seja recebida e interpretada de formas divergentes: “Diferentes regiões e subculturas americanas agora veem a realidade através de lentes não sobrepostas. Elas produzem sentido de maneiras radicalmente diferentes. As categorias psicossociais se endureceram”.

Em sua avaliação, a recepção por indivíduos dos episódios noticiados pela imprensa se tornou tão ou mais importante que os acontecimentos em si no contexto atual de fragmentação da sociedade. A imprensa, no entanto, presta pouca atenção à atribuição de sentido aos eventos pelos diferentes grupos sociais.

“A grande diferença para nós na mídia é que a história principal não é apenas onde os tomadores de decisão estão produzindo eventos. É também e talvez mais ainda aos olhos daqueles que os veem.”
Entender como as notícias são interpretadas não se resume a fazer pesquisas de opinião com quem as consome, argumenta Brooks, já que a multiplicação de subculturas é para ele uma explosão epistêmica —epistemologia diz respeito à forma como indivíduos produzem conhecimento sobre o mundo exterior.

“Essa é uma oportunidade maravilhosa para pensarmos em nossos trabalhos de maneiras mais profundas. O insight principal é que, em uma sociedade hiperpluralista, você não pode conhecer pessoas de outros grupos até saber como elas te conhecem”, conclui.

Além de escrever no New York Times, Brooks é comentarista de política e cultura nas redes PBS, NPR e NBC. Escreveu seis livros, incluindo o best seller “O Animal Social: A História de como o Sucesso Acontece” (Objetiva, 496 págs., esgotado).