Repórteres do New York Times relatam processo de apuração de caso Weinstein
O livro “She Said: Breaking the Sexual Harassment Story That Helped Ignite a Movement” (Ela disse: divulgando a história de assédio sexual que ajudou a inflamar um movimento), ainda sem edição em português, narra como se desenvolveu a investigação dos casos de assédio sexual do produtor Harvey Weinstein.
Escrito por Jodi Kantor e Megan Twohey, repórteres que fizeram a apuração do caso para o New York Times em 2017, o livro traz bastidores da apuração, como a advogada que tentou desacreditar os depoimentos das vítimas e uma carta escrita em 2015 por Bob Weinstein na qual critica a má conduta do irmão.
Em 2018, as repórteres receberam o prêmio Pulitzer na categoria serviço público.
O caso Weinstein reúne acusações de mais de 80 mulheres, que remontam cerca de três décadas. O produtor foi preso em maio de 2018, mas foi solto após pagar fiança. O julgamento por agressões sexuais, que pode condená-lo a prisão perpétua, será em janeiro de 2020.
Segundo Nicholas Carlson, editor-chefe do portal Insider, o livro recém-lançado serve como guia para repórteres e editores ou “qualquer pessoa interessada em saber o que um bom jornalista faz”.
Além de elogiar a obra, Carlson escreveu matéria em que elenca algumas das táticas usadas pelas jornalistas.
1) Envie um email que destaque o impacto do trabalho que você realizou no passado
A repórter Jodi Kantor enviou um email para a atriz Rose McGowan, que anteriormente tinha se recusado a falar sobre o assédio que sofreu, por já ter sido destratada pelo New York Times. Nessa nova tentativa, a repórter comenta que reportagens feitas por ela sobre gênero e questões de classe resultaram em mudanças de política em grandes empresas.
“Eu acho que o email funcionou porque Kantor mostrou que já tinha trabalhado com esse tipo de assunto antes, estava interessada no tema por razões que agradavam a atriz (impacto, e não fama) e mostrou a McGowan que, se ela participasse, estaria fazendo um bem para o mundo.”
2) Para não cair no “ele disse/ela disse”, recorra a documentos
Uma questão que sempre envolve os casos de assédio sexual é que eles acabam com uma pessoa acusando outra, com poucas testemunhas que possam depor.
Como em casos envolvendo pessoas ricas ou famosos, muitas vezes há acordos financeiros, Carlson diz que o repórter deve buscar uma fonte que possa dizer, mesmo que em off, se existe um documento.
3) Tenha uma lista de perguntas específicas
Carlson reflete que as perguntas precisam ser incisivas. As perguntas não vieram do tipo “Weinstein é uma pessoa ruim que pratica atos condenáveis?”, mas questionamentos diretos como “ele já destratou mulheres ou pagou acordos?”
4) Concentre-se primeiro nas questões que você pode provar com mais facilidade, do que nas mais graves
No início da investigação, Twohey e Kantor receberam muitas histórias que envolviam irregularidades de Weinstein e sua editora as aconselhou a priorizar o que poderia ser provado mais facilmente.
“A lição aqui se aplica a todos os tipos de histórias: concentre-se no que você pode bloquear primeiro, publique e mais fontes vão falar.”
5) Use esta linha para convencer as fontes a falar
As repórteres compartilharam uma linha de apoio eficaz com as fontes que consistia em dizer: “Não posso mudar o que aconteceu com você no passado, mas juntas podemos usar sua experiência para ajudar a proteger outras pessoas”.
O autor afirma que essa técnica precisa ser reforçada quando estão envolvidos advogados e consultores das fontes, que as impedem de falar com repórteres.
6) Uma investigação pode começar com uma observação básica sobre o que há de errado com o mundo
A investigação do caso Weinstein prosseguiu principalmente após o aparecimento de mulheres que denunciaram figuras como Roger Ailes e Donald Trump. Segundo o autor, essa notícia foi importante para lembrar os editores de que as mulheres ainda são maltratadas no local de trabalho e, a partir dessa observação básica, surgiu o questionamento de como isso poderia ser documentado.
7) O impacto no jornalismo vem da especificidade. Nomes, datas, detalhes
A atriz Ashley Judd foi a primeira a denunciar Harvey Weinstein, mas até então ela só tinha falado em entrevista à Variety sem citar o nome do assediador. No livro, as autoras reforçam que “o relato tinha sido corajoso, mas era um relato solitário sem o nome de um autor ou qualquer informação de apoio”.
8) Tenha muito cuidado, mas conversar com o representante do assunto que você está investigando pode ser muito eficaz
O editor-executivo do New York Times, Dean Baquet, aconselhou as repórteres a não conversarem com Weinstein ou algum de seus representantes porque isso poderia abrir espaço para mentiras.
Twohey insistiu que seria uma boa oportunidade falar com Lanny Davis, representante de relações públicas da crise de Weinstein, porque havia a possibilidade dele confirmar detalhes ou acidentalmente dar outros.
“Se você confia que não entregará seu jogo, pode ser bastante inteligente se encontrar com alguém e ver se eles vão dizer mais do que deveriam.”
9) Esteja preparado para permanecer intrépido diante das ameaças
Depois da divulgação da primeira história que envolvia Weinstein, seu advogado enviou uma carta ameaçando processar o jornal.
“Por ter certeza da solidez da apuração e do apoio da Constituição dos EUA à liberdade de expressão, o advogado do jornal não ficou preocupado.”