Mídia insiste no mito do herói ao falar sobre pessoa com deficiência, diz Rodrigo Mendes

A mídia tem um papel essencial para dar visibilidade a pessoas com deficiência, mas erra ao insistir em narrativas de superação pessoal. Essa é a opinião de Rodrigo Hübner Mendes, 47, professor e pesquisador que ficou tetraplégico aos 18 anos.

“É como se a gente ainda explorasse o mito do herói que vence suas dificuldades com esforço pessoal”, disse o fundador do Instituto Rodrigo Mendes, que desde 1994 trabalha para que pessoas com deficiência tenham educação de qualidade na escola comum. O pesquisador esteve no auditório da Folha no último dia 3, onde conversou com a Redação sobre educação inclusiva.

Para exemplificar o problema de abordagem, citou a cobertura jornalística das Paraolimpíadas, em que há um apelo constante a narrativas épicas como forma de exibir conteúdo atrativo. Mendes reconheceu que o jornalismo foi fundamental para abrir espaço ao esporte paraolímpico e formar torcedores, mas disse que é preciso explorar novos meios de falar sobre inclusão social.

“Essa forma de tratar o tema traz a falsa percepção de que o problema está sendo resolvido. Não adianta torcer, se emocionar, se a gente não se dispuser a mudar.” Ele destacou que a deficiência resulta não apenas dos impedimentos decorrentes da condição pessoal, mas também de barreiras sociais, que podem estar “na arquitetura, na comunicação, nos equipamentos e, especialmente, nas nossas atitudes”.

A persistência em narrativas heroicas também é um problema na publicidade. Mendes lembrou o desafio que foi desenvolver a campanha “Movido a Respeito”, em parceria com a Rede Globo, sem deixar que o produto final caísse no clichê da superação. Lançado em março de 2017, o vídeo da campanha traz Mendes dirigindo um carro de corrida usando comandos cerebrais. 

O pesquisador reafirmou a importância da escolha do vocabulário ao tratar do assunto. Explicou que “pessoa com deficiência”, termo adotado pela OMS (Organização Mundial da Saúde), é adequado porque não minimiza uma diferença que é relevante, além de reforçar que um tratamento desigual para promover a igualdade pode ser necessário.

Mendes admitiu que a escolha das pessoas que precisam de tratamento especial passa por decisão subjetiva, mas disse que a tendência mundial é priorizar aquelas que sofrem discriminação. Como as pessoas com deficiência formam um grupo historicamente discriminado, defendeu que ainda faz sentido a existência de medidas específicas voltadas à inclusão desse segmento social.

Na opinião do pesquisador, os principais desafios que uma sociedade precisa se propor a enfrentar para ser mais inclusiva são: garantir o acesso de pessoas com deficiência a escolas comuns, igualar oportunidades e diversificar formas de ensino. Ele destacou que as ações nas escolas não podem ser adiadas. “No fundo, educação inclusiva está falando de diferenças humanas. Essa diferença tem que ser atendida hoje.”

Mendes afirmou que existe uma aparente dicotomia entre um modelo de ensino mais voltado à meritocracia e outro que prioriza a igualdade, mas acredita que uma visão ambiciosa de sociedade supera essa divisão. “A escola inclusiva acolhe a todos e, ao mesmo tempo, persegue altas expectativas para cada um.”

Segundo a OMS, 15% da população mundial possui algum tipo de deficiência —proporção que não se reflete no ensino brasileiro. São 3% de pessoas com deficiência matriculadas no ensino fundamental, 1,5% no ensino médio, e 0,5% no ensino superior, de acordo com dados do Ministério da Educação. (Filipe Andretta)