Ataque à imprensa no Brasil e nos EUA ocorre de maneira inédita, afirma repórter do Washington Post

Ataques diários à imprensa por meio de pronunciamentos no Twitter é estratégia comum usada pelos presidentes dos Estados Unidos e do Brasil. A acusação de que o jornalismo é injusto, tendencioso, disseminador de notícias falas e antinacionalista é o modo que os chefes de Estado têm usado para desacreditar a imprensa.

Esse é o diagnóstico feito por Paul Farhi, repórter e crítico de mídia do jornal norte-americano Washington Post, que se disse surpreso com as semelhanças entre o quadro político brasileiro e americano. “Sempre pensei no Brasil como um local exótico, diferente na história, no povo e nas tradições, mas estamos na mesma situação”, afirmou.

Para o jornalista, que esteve no auditório da Folha na terça-feira (21) em palestra para a Redação, é perceptível que Jair Bolsonaro vê em Donald Trump um modelo a ser seguido. “Acredito que nenhum político goste da imprensa a não ser que ela seja útil para ele, mas nunca vivemos o que estamos passando com o atual presidente. São ataques diários, tentando nos pregar a pecha de anti-americanos, e criando pequenas dificuldades para evitar que estejamos nos lugares certos na hora necessária.”

Flavia Lima, ombudsman da Folha, perguntou como Farhi lida com a cobrança dos leitores pró-Trump, que acham que o jornal tem um viés contra o governo. “Não somos obrigados a balancear uma notícia considerada negativa com outra positiva. Não é assim que funciona. O problema é que as pessoas não entendem a dinâmica do jornalismo”, disse.

Sobre a situação do Washington Post desde que o jornal foi comprado pelo bilionário Jeff Bezos, Farhi só fez elogios. Ele destacou o prédio novo, o aumento de equipe e a contratação de engenheiros. “Enquanto as redações no mundo todo estão encolhendo, podemos expandir. E sem interferência na área editorial.”

Questionado sobre como ter uma postura profissional adequada ao Twitter, rede social que Farhi definiu como “a grande invenção para demitir jornalistas”, ele recomendou “muita reflexão” antes de apertar a tecla de postar. “O problema é que ali não tem um editor para dizer não faça isso.”

Farhi está no Washington Post desde 1988 e já passou pelas editorias de finanças e política. Foi três vezes ganhador do prêmio National Press Club por sua cobertura e crítica da mídia e também recebeu o prêmio Bart Richards Award em 2018 pelo reconhecimento de reportagens como a que fez sobre o uso de trabalhadores temporários da NPR, rede de rádio pública dos EUA, e também a que relata a relação conflituosa entre a Casa Branca e a imprensa norte-americana.

Em sua última coluna, o crítico analisou de Sarah Jessica Parker com o National Enquirer no qual a atriz expôs, em seu Instagram, o email do veículo solicitando um pronunciamento sobre uma suposta discussão entre ela e o marido. No post, ela demonstra sua indignação e considera o contato do jornal como assédio.

Farhi argumentou que, embora o National Enquirer seja conhecido por publicar matérias comprometedoras sobre celebridades e chantageá-las de acordo com seus interesses, nesse caso, o objetivo teria sido, de fato, a apuração da informação recebida e que essa é a principal função de repórteres.

A conversa foi mediada pelo colunista da Folha Nelson de Sá.