Polarização política está relacionada ao enfraquecimento do jornalismo, diz especialista

Daniela Arcanjo
São Paulo

A avalanche de mudanças trazidas pelas redes sociais, o fenômeno das fake news e a mudança no mercado publicitário abalaram o jornalismo. Para a especialista americana Jane Kirtley, o enfraquecimento dos veículos afeta a democracia.

Para Kirtley, que é professora da Universidade de Minnesota, não há uma resposta pronta para resolver a crise no jornalismo, que envolve a negação dos fatos pelo público e ataques de atores políticos a veículos sérios.

“Essa é uma situação perigosa porque, se não podemos concordar com um conjunto básico de fatos, não sei como podemos ter uma discussão sobre como resolver problemas ou avançar o Estado de Direito, a equidade e todas aquelas coisas que são sinais de civilização”, afirma.

A jornalista e advogada está no Brasil para uma série de eventos. Na quinta-feira (2), esteve na Folha, onde concedeu a entrevista a seguir.

A sra. vê soluções para a crise no jornalismo?
Eu acho que enfrentamos muitos problemas. Até quando seremos capazes de permanecer financeiramente viáveis? A segunda questão é: a liberdade da imprensa pode perdurar em uma época em que homens fortes, em muitos países ao redor do mundo, estão levando seus seguidores a desconfiarem e, em alguns casos, a odiarem a mídia? Para a imprensa sobreviver, é preciso que existam leis que a proteja. Pode ser um estatuto, uma emenda constitucional, qualquer coisa, mas tem que existir. O maior problema é que, à medida que os veículos perdem apoio popular, é mais fácil para o governo impor mais restrições.

As pessoas não compartilham fake news apenas porque elas acreditam naquilo, mas porque querem acreditar. Como podemos mudar isso?
Bem, eu não sei. Porque agora é muito fácil encontrar pessoas, sites e instituições que simplesmente confirmam o que você já acredita. E jornalistas estão constantemente em um estado de fazer perguntas. Os bons jornalistas não levam as coisas como garantidas, não importa com quem eles estejam falando.

Alguns políticos usam o termo fake news para classificar a divulgação de qualquer fato que queiram esconder ou de que discordem. A imprensa deve continuar a usar esse termo?
O importante sobre o conceito de fake news é que precisamos definir o que significa. Você acabou de dizer que, para alguns políticos, é algo que os faz parecer malvados ou revela algo que eles não querem que você saiba. Eu definiria notícias falsas como algo que um jornalista ou outra pessoa publica sabendo que não é verdade e o faz deliberadamente, com a ideia de enganar. Na minha experiência, os jornalistas não fazem isso. Eles cometem erros. Eles entendem errado. Isso não é notícia falsa.

A eleição de vários políticos de extrema-direita no mundo está relacionada com as mudanças na mídia?
Acho que sim. Eu sempre hesito em colocar toda a culpa em uma só coisa, porque obviamente há muitos fatores. A economia é um fator enorme. Mas, se você tem uma imprensa altamente partidária e não tem nada que equilibre isso, então criará esse tipo de visão polarizada em que, em última análise, não é suficiente dizer “não concordo com você”. Eu tenho que dizer que você é malvado. Isso é antidemocrático. Alguns políticos contemporâneos estão dizendo a seus seguidores que o mundo vai acabar se não votarem neles. Essa é uma situação muito perigosa para se estar.