Imprensa norte-americana enfrenta problemas ao cobrir Coreias
A cobertura da imprensa americana das Coreias foi severamente criticada pela jornalista norte-americana filha de pais coreanos, Hannah K. Lee, no artigo “Covering the Koreas” (Cobrindo as Coreias), escrito para a Columbia Journalism Review.
Em junho de 2018, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, teve uma reunião histórica e inédita com Kim Jong-un –líder da Coreia do Norte– após meses de acirramento de tensões entre os países e ameaças mútuas de ataques nucleares. Enquanto a imprensa sul-coreana considerou o evento o começo de um positivo processo para o restabelecimento da paz, a maioria dos jornalistas norte-americanos mostrou-se cética.
Vale destacar que o encontro não foi coberto por enviados internacionais –baseados em Seul, Tóquio ou Pequim–, mas pela equipe de imprensa que trabalha na Casa Branca, muito menos ciente dos aspectos culturais e históricos da região. Assim, predominaram questionamentos sobre a real disposição do ditador norte-coreano de eliminar seu arsenal nuclear e destacou-se que os abusos de direitos humanos cometidos pelo Estado não foram sequer discutidos na reunião.
Esse descompasso entre a cobertura midiática dos Estados Unidos sobre o que acontece em outros Estados e a forma como os mesmos fatos são tratados pelos veículos de mídia destes países foi tema de um reportagem feita pela jornalista Hannah Lee. Ela afirma que a imprensa norte-americana não influencia apenas o próprio país e pode interferir na política interna de outras nações.
Uma fonte ouvida por Margy Slattery, editora sênior da revista Politico que participou de um intercâmbio entre jornalistas dos Estados Unidos e das Coreias no passado, considera a cobertura norte-americana sobre a Coreia do Norte “surreal” e “descolada da realidade”. Outra fonte ouvida na reportagem destaca que os norte-americanos influenciaram a mídia e a política sul-coreanas, favorecendo o candidato de extrema-direita, Hong Joon-pyo, nas eleições de 2017.
A diferença entre o perfil dos norte-americanos que leem notícias sobre cada uma das duas Coreias também resulta em assimetria na cobertura: as matérias sobre Coreia do Norte são frequentes e costumam ser de um “sensacionalismo lúgubre” ou apenas sobre tática militar; as escritas sobre Coreia do Sul são bem mais raras e abordam sempre os mesmos assuntos exóticos (como o K-pop, gênero musical sul-coreano derivado do pop, e o consumo de carne de cachorro).
Em janeiro de 2018, a conceituada revista americana Foreign Policy chegou a publicar um artigo intitulado “It’s Time to Bomb North Korea” (É Hora de Bombardear a Coreia do Norte), escrito pelo cientista político Edward Luttwak. Em abril do mesmo ano, as duas Coreias selaram um acordo histórico em que prometem uma nova era de “reconciliação nacional, paz e prosperidade”.
A jornalista destaca, entretanto, que esse tipo de vício de cobertura não se limita às Coreias: muitos países são afetados pelos interesses específicos e vieses noticiosos das superpotências. Também já foram vítimas desse descompasso países da África subsaariana, além de México, Colômbia e Irã.
Ela ainda reitera que não são todas as notícias que devem ser contadas do ponto de vista de Washington e que, para visões com mais nuança, é necessário investir em enviados internacionais e parar de deixá-los em segundo plano quando o noticiário internacional também envolve a política norte-americana.