Livros discutem como o monopólio da internet exerce seu poder
No dia das eleições presidenciais americanas de 1876, o então candidato Rutherford B.Hayes acompanhava, consternado, o resultado das urnas. O republicano ficou acordado apenas até a meia-noite, quando o cenário já não lhe parecia mais favorável – era evidente que ele perderia para o democrata Samuel J. Tilden.
O oponente, de fato, ganhou o voto popular. Mas, surpreendentemente, uma reviravolta arquitetada por jornalistas da Associated Press, agindo em conjunto com a Western Union, empresa que praticamente detinha o monopólio dos telégrafos na época, garantiu a vitória do republicano no colégio eleitoral.
Duzentos anos se passaram, e o presidente dos Estados Unidos novamente é um republicano que venceu a eleição perdendo o voto popular em circunstâncias questionáveis. Hoje, jornalistas, comitês congressionais e peritos investigam o que pode ter ocorrido no pleito de 2016, mas dois livros lançados recentemente já sugerem um esboço do problema, como conta um artigo da revista “The New Yorker”.
Assim como no século 19, o mundo passa por uma revolução tecnológica que transforma o fluxo da informação e, mais uma vez, são poucas as empresas que controlam sua disponibilidade. No livro “Mova-se rápido e quebre coisas: como o Facebook, Google e Amazon encurralaram a cultura e minaram a democracia”, Jonathan Taplin diz que as gigantes da internet basicamente formam um monopólio. Para ele, esse domínio é muito mais poderoso que os antigos, já que elas têm um alcance muito maior e não se limitam a um produto ou serviço.
O Google, por exemplo, não lucra apenas com o conteúdo produzido por terceiros – como músicas no YouTube -, mas também ganha dinheiro vendendo informações pessoais dos usuários para outras companhias. Para Taplin, a gigante da internet faz parte da “indústria da extração”, tirando proveito de tudo que veicula.
Nesse contexto, o jornalista Franklin Foer escreve em “Mundo sem Mente: O perigo iminente do Big Tech” que são essas empresas que estão destruindo a integridade das instituições responsáveis por fornecer conteúdo intelectual e informar a população em uma democracia.
O ex-editor da “New Republic” diz que táticas como o paywall, que tenta evitar a pirataria e a distribuição gratuita, geralmente fazem os textos serem enterrados pelo Google e pelo Facebook.
Além disso, há a distorção do que faz sucesso nas redes, o que acaba por banalizar e ditar o conteúdo –um exemplo clássico disso foi o caso viral do leão Cecil, que levou um tiro em 2015 e fez com que os veículos corressem atrás da pauta para aproveitarem a audiência nas redes.
Para Foer, Donald Trump representa o ápice desse fenômeno. Embora as falas dele não merecerem serem levadas a sério, a internet não faz essa distinção: “Trump começou como o leão Cecil e terminou como presidente dos Estados Unidos”, escreve.
No contexto da revolução da internet, as grandes empresas foram disruptoras -antigamente eram estúdios, gravadoras e veículos de comunicação que tinham o poder de determinar o que chegaria ao público. Elas acabaram com essas barreiras. Mas, em vez de eliminá-las, as substituíram.
Por fim, Foer diz que ajustar uma eleição seria muito mais fácil hoje do que em 1876 – o difícil seria esconder isso das pessoas.