Em universidades americanas, debate entre liberdade de expressão e discurso de ódio esquenta após vetos por opiniões

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DIANA LOTT
EDOARDO GHIROTTO
JOÃO CARNEIRO
DA EDITORIA DE TREINAMENTO

Berço do politicamente correto, os campi das universidades americanas se inflamam com o embate entre a liberdade de expressão e a demanda social por proteção a grupos sensíveis.

Atitudes antagônicas tomadas por grifes universitárias de primeira grandeza ajudam a alimentar a polêmica. Na mais recente, Harvard “desconvidou” dez estudantes aprovados em seu processo seletivo que haviam postado, em um grupo fechado de alunos, piadas sobre mexicanos, o Holocausto e abusos sexuais.

Manifestação de estudantes contra uma palestra de Milo Yiannopoulos na Universidade da Califórnia, em Berkeley (Ben Margot/AP)

Em diferentes instituições do país, protestos de estudantes impediram intelectuais conservadores de ministrar palestras. Em reação à tendência, a Universidade de Chicago enviou aos novos alunos carta em que afirmava não apoiar “safe spaces” e “trigger warnings”.

As expressões fazem parte do jargão de movimentos identitários. “Safe spaces” (espaços seguros) são ambientes, físicos ou de discussão, em que membros de minorias estariam protegidos de declarações ofensivas.

“Trigger warning” (alerta de gatilho) é um aviso, aplicado à fala ou ao texto, que precede conteúdos que afrontam minorias.

John Ellison, pró-reitor de assuntos estudantis, escreveu que espaços seguros são nocivos porque permitem que estudantes se resguardem de ideias e perspectivas que contradigam as suas.

À Folha, Ellison disse que a carta apenas reafirma a posição histórica daquela universidade a favor da liberdade acadêmica.

Em oposição à carta, 175 professores (de um total de quase 3.000) publicaram declaração defendendo as demandas levantadas pelos movimentos de minorias.

“[Esses pedidos] tocam em questões substanciais de viés, intolerância e trauma que afetam nossos intercâmbios intelectuais.”

Parece ter sido essa a convicção que levou ao desconvite aos alunos de Harvard. A instituição se recusou a comentar o caso e reafirmou à reportagem sua prerrogativa para revogar uma admissão “se um estudante demonstrar comportamentos que coloquem em questão sua honestidade, maturidade ou caráter moral”.

O campus da Universidade Harvard, nos Estados Unidos (Gabo Morales/Folhapress)

Decisão acertada, na opinião de Charles Fried, professor de direito constitucional e interpretação legislativa em Harvard. “A universidade tem liberdade para definir que tipo de comunidade quer. Isso viola a liberdade de expressão? Não. São escolhas que a instituição é livre para tomar.”

Trata-se de um incentivo à autocensura, na avaliação de Will Creeley, um dos vice-presidentes da Fundação pelos Direitos Individuais na Educação (Fire, na sigla em inglês). “Com a decisão, Harvard simplesmente transmitiu aos alunos a ideia de que algumas conversas não podem ocorrer. Isso afetará todos os estudantes, que optarão pela autocensura em vez de explorar opiniões difíceis, dissonantes ou controversas.”

Segundo Creeley, Harvard deveria ter aproveitado a ocasião para educar os estudantes envolvidos no caso. Os avanços na luta pela igualdade racial e de gênero, afirma, só serão alcançados por meio do diálogo.