‘Nunca deixaria que fizessem meu perfil’, diz repórter da ‘Piauí’
“Nunca na minha vida eu deixaria que fizessem um perfil meu”, declara, rindo, a jornalista Daniela Pinheiro, repórter da revista “Piauí” conhecida por extensos e detalhados perfis de personagens dos círculos do poder. Sua lista inclui os políticos José Serra e José Dirceu, o cartola Ricardo Teixeira e o pastor evangélico Silas Malafaia.
Em conversa com trainees e integrantes da Redação da Folha, a jornalista confessou seu fascínio por “figuras poderosas”, cujas ações geram repercussões nos escalões mais baixos da sociedade. “Às vezes, a imprensa não cobre [essas figuras] por medo de perder fontes”.
Um bom perfil, para Daniela, nunca será um retrato completo, mas apenas um recorte. “O repórter tem que começar com uma ideia prévia do que vai dizer, mas deve estar aberto para mudá-la”.
Seu interesse pela redação de perfis começou quando trabalhava na cobertura política da sucursal de Brasília. Via nos “features”, chamados naquela época de “sides”, uma oportunidade de personificar a política e “humanizar temas chatos”.
Depois da Folha, onde começou como trainee em 1993, passou dez anos na “Veja” e completa agora uma década na “Piauí”. Há dois meses, assumiu a operação digital e de novos projetos da revista.
RELAÇÃO COM FONTES
Daniela afirma que os primeiros personagens, no início, não imaginavam o grau de exposição a que se submeteriam e, por isso, eram mais abertos. Quando passaram a entender o caráter dos textos, ficaram cautelosos.
Ela ressalta a importância de conviver com a fonte em situações de informalidade, fora do ambiente profissional, para ajudar a criar empatia com o personagem.
Isso não significa, porém, que o repórter pode abandonar a atitude profissional, diz. O jornalista deve ser claro quanto ao caráter do encontro, deixando sempre à vista os seus “crachás”: o bloco de notas e o gravador.
A principal motivação de um personagem que aceita ser perfilado, diz, é a vaidade. As fontes, assim como os jornalistas, têm interesse na publicação da matéria, o que coloca ambos em pé de igualdade. “O repórter não está em desvantagem.”
Perguntada sobre as táticas para superar as dificuldades impostas por assessorias de imprensa, Daniela conta que costuma ser direta quando a fonte não lhe assegura o acesso necessário para a apuração, pede “offs” em excesso ou quando o assessor intervém demais. “Digo que é melhor interromper a matéria do que trabalhar naquelas condições. Uma vez perdi o perfilado. É um risco.”
É comum, após a publicação dos textos, que os personagens vejam como elogiosos trechos que ela considerava depreciativos. Também houve caso em que o personagem agradeceu pelo retrato após a primeira leitura, mas mudou de ideia mais tarde, deixando de atender aos seus contatos.
Sobre as descrições de fatos do cotidiano de perfilados, marca dos textos da revista, a repórter afirma que o recurso só é útil quando ajuda a construir a história. Exemplifica: “Você só fala da comida [de uma refeição do perfilado] se tinha uma barata ou se o cara engasgou. Se não, não faz sentido aquela `comidaiada’ no texto”.
Diz também que o uso da primeira pessoa e a intromissão da figura do repórter no texto devem ser evitadas ao máximo, exceto quando são essenciais para relatar os fatos. “O jornalista já está presente no texto, porque as descrições passam por seus filtros e referências. Já tem ali um pouco de quem escreve.”