Surpresa com coberturas políticas feitas por mulheres vem de herança sexista, diz escritora

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Revistas americanas voltadas para o público feminino, como a “Teen Vogue”, “Elle” e “Cosmopolitan”, geralmente associadas a temas triviais, têm surpreendido alguns leitores com reportagens políticas de qualidade.

Em artigo para o site de notícias “Quartz”, a escritora Sady Doyle contesta a visão dos que se surpreendem com a cobertura, associando-a ao antigo preconceito contra “mulheres que ousam dizer o que pensam”.

Escritora e articulista americana Sady Doyle, que escreve sobre temas femininos (Foto: Divulgação)

“Quando o especialista liberal Keith Olbermann é contratado pela [revista masculina] GQ, ninguém nem pisca; mas quando a ‘Teen Vogue’ publica uma explicação sólida sobre a postura do vice-presidente Mike Pence em relação a reprodução e aos direitos LGBTQ, cabeças explodem”, diz Doyle.

A escritora argumenta que, apesar de mulheres serem maioria em cursos de jornalismo desde a década de 1970, esse número não se reflete nas páginas dos jornais: nos Estados Unidos, por exemplo, elas ainda estavam em menor número entre jornalistas políticos, criminais e econômicos em 2015.

Para explicar a intensificação da cobertura política em revistas voltadas para mulheres, a articulista relembra a ascensão de blogueiras feministas na internet. “Artigos sobre o direito ao aborto tinham lugar em um blog feminista, assim como posts sobre salários discriminatórios, acusações de estupro e o último filme de Judd Apatow. Na blogosfera, a tradicional divisão de assuntos em seções de jornal desmoronou”, diz a autora.

Doyle aponta ainda para o fato de que muitas das mulheres que escreviam para blogs acabaram sendo contratadas por grandes veículos de imprensa. Por isso, segundo ela, as jornalistas que trabalham em revistas femininas hoje bebem de uma tradição de cobertura agressiva e opinativa contra homens brancos sexistas.

“Sob a administração Trump, é crucial acabar de uma vez por todas com a ideia de que há um limite entre ‘jornalismo feminino’ e ‘jornalismo sério’. Quando o presidente dos EUA foi gravado admitindo ter cometido assédio sexual; quando um dos criadores do GamerGate [campanha sexista criada no mundo gamer] está sentado na Casa Branca; quando Estados começam a aprovar leis contra o aborto –essas são notícias de impacto nacional. O fracasso em tratá-las como tais nos deixará despreparados para fazer frente ao Trumpismo”, conclui.