Putin não quer destruir a mídia independente, diz jornalista russo

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SOLANGE REIS

Não fosse o sotaque eslavo, ninguém diria se tratar de um russo. Corte de cabelo arrepiado, Mikhail Zygar tem estilo yuppie e o humor dos latinos. Brincalhão e blasé, sua descontração não acompanhava a sisudez de João Moreira Salles, editor da “Piauí”, e Raul Juste Lores, da Folha, seus entrevistadores no Festival Piauí GloboNews de Jornalismo. Realizado em São Paulo, nos dias 8 e 9 de outubro, o evento abordou histórias do poder e de jornalistas que põem a mão no vespeiro.

O desafio de Zygar, autor de “All the Kremlin’s Men: Inside the Court of Vladimir Putin” (Todos os homens do Kremlin: Dentro da corte de Vladimir Putin, em tradução livre), não parece trivial. Fundador da rede “Dozhd” (chuva), maior TV independente russa, enfrenta nada menos do que o Kremlin. “Tremendo vespeiro!”, soa uma voz na plateia.

“Putin não quer destruir a mídia independente”, disse, para surpresa do auditório. Zygar afirma que o governo russo não tem estratégia sobre mídia, política ou economia. Não existe qualquer planejamento e aí mora o perigo: sem definição de certo e errado, fazer jornalismo livre na Rússia é arriscado. Admite, porém, que o maior risco é perder o emprego.

Sente a ferroada somente quem mexe com a Igreja Ortodoxa, a Segunda Guerra Mundial, a Chechênia, o presidente ou sua família. Zygar sabe bem o que é isso. “Dozhd” foi o primeiro veículo a entrevistar o Pussy Riot, grupo de rock feminista que em 2012 desafiou a igreja e o governo com uma performance na catedral de Moscou e a canção “Punk Prayer – Mother of God, Chase Putin Away” (Oração Punk – Mãe de Deus, Afaste Putin Daqui).

Em 2012, uma enquete da “Dozhd” questionou se valera a pena sacrificar tantas vidas russas na resistência aos nazistas em Leningrado. Considerada antipatriótica pela opinião pública, a pesquisa levou a rede a perder canais, anunciantes e público. Segundo Zygar, tudo orientado pelo Kremlin. A compensação naquele ano veio na forma de financiamento popular para a “Dozhd” e do prêmio International Freedom Award para Zygar.

O jovem jornalista diz que Putin acredita representar a Grande Rússia, embora não passe de uma versão nacional de Silvio Berlusconi, Joseph Blatter ou Donald Trump. Mal disfarçando o orgulho por ser considerado pelas autoridades russas um traidor pró-Ocidente, Zygar lamenta os estereótipos da mídia ocidental sobre a Rússia. Descrever os russos como antiquados e bizarros enfraquece a sociedade civil. “Não estamos interessados nessa nova Guerra Fria”, lembrando que até a espionagem russa é só uma sombra do passado.

Solange Reis, 52, é formada em jornalismo e em ciências políticas, com pós-doutorado em relações internacionais. É professora, especialista em política externa dos Estados Unidos e da Alemanha e produz o informativo OPEU (Observatório Político dos Estados Unidos), dedicado a acompanhar a política doméstica e exterior americana.