O outro lado na cobertura internacional

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PAULO GOMES
ENVIADO ESPECIAL A MOSCOU

Com o constante corte de custos na imprensa e, por consequência, equipes a cada mês mais enxutas nas redações, a dependência das agências de notícias na cobertura de fatos internacionais cresce exponencialmente.

São poucos os que ainda podem se dar ao luxo de manter muitos correspondentes espalhados pelo mundo para assegurar um “olhar local”, e esses normalmente são veículos de leitura global, com produção em inglês (como o “New York Times” e o “Guardian”), ou em várias línguas, como a BBC.

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Jornalistas Jessica Arroyo (Cuba), Sanaa Nehme (Líbano) e Aleksandar Atanasov (Macedônia), durante oficina na Sputnik, em Moscou (Foto: Orlando Oliveros/Notimex)

Sendo um veículo de alcance nacional, como (re)produzir notícias internacionais confiando apenas nas agências? Será que algo não está se perdendo no caminho? Reuters, AFP (Agence France Presse), AP (Associated Press) e os veículos citados acima são todos representantes da mídia ocidental. Por mais que seus despachos sejam objetivos, não estão imunes a um certo olhar, reproduzido por quem publica seu conteúdo.

Na semana passada (de 5 a 8 de setembro), a agência de notícias estatal russa, Sputnik, reuniu 40 jornalistas de 18 países de diferentes continentes para discutir esse tema. É natural que parte do objetivo russo seja amenizar as críticas a um governo frequentemente descrito como autoritário, mas isso não torna a discussão menos importante para quem trabalha ou tem ambição de trabalhar com o noticiário internacional.

“Estamos tão focados na cobertura local que muitas vezes o regional ou internacional soa secundário”, diz Sanaa Nehme, da Agência Nacional de Notícias do Líbano, empresa pública subsidiária do Ministério da Informação libanês. Por isso, diz Sanaa, quando se trata de assuntos externos, eles dependem do serviço da AFP em árabe ou francês em 90% dos casos.

Mesmo a troca de experiências entre jornalistas de culturas tão distantes serviu para recordar que não podemos nos ater a rótulos preconcebidos. Sanaa, por exemplo, citou boas ações do Hezbollah. Uma repórter francesa relativizou o extremismo de Marine Le Pen e sua Frente Nacional. Não se trata de inocentá-los, mas de lembrar que toda história tem mais de um ponto de vista.

Sendo um princípio basilar do jornalismo contemplar todos os lados envolvidos na notícia, é importante que isso não se perca nas sutilezas do texto –ou nas dificuldades que a distância, o fuso horário e a língua podem impor para buscar um “outro lado” mais apurado. Na correria da publicação da notícia, o profissional muitas vezes não questiona o que está reproduzindo ou omitindo, o que parece ser mais comum. Vale reforçar a constante autocrítica para detectar eventuais desequilíbrios e não negligenciar um dos lados da história.

Paulo Gomes viajou a Moscou a convite da Rossotrudnichestvo.