Há muitos erros em títulos de reportagens, diz Pasquale; veja dicas
O que deveria ser a parte mais clara do material jornalístico frequentemente é a mais confusa. Essa foi a conclusão do professor de português Pasquale Cipro Neto após analisar textos da Folha e do UOL.
“A gente escreve os títulos numa língua, e os textos, em outra: em folhês”, brinca o colunista da Folha, em palestra para a Redação nesta quarta (4).
Pasquale lembra que, para manter títulos curtos e sem artigos, os jornalistas às vezes sacrificam a gramática e prejudicam o entendimento do leitor.

Entre os problemas apresentados, os mais recorrentes são as ambiguidades resultantes da ordem confusa dos termos da oração.
Para o professor, as versões digitais das reportagens apresentam mais problemas do que as impressas.
Veja alguns erros selecionados pelo professor e suas correções:
Desordem
É importante se certificar de que a ordem dos termos na frase é a mais clara e a que dá o sentido desejado ao texto.
Cunha acelerará trâmite na Câmara do impeachment – Parece que há uma Câmara do Impeachment, mas não há.
Correção: Cunha acelerará trâmite do impeachment na Câmara
Britânico confessa assassinato da sogra durante oração – Parece que ele matou a sogra na missa, mas apenas confessou lá.
Correção: Durante oração, britânico confessa assassinato da sogra
Coreia do Norte diz ter miniaturizado ogivas nucleares para caber em mísseis – Parece que é a Coreia que deveria caber nos mísseis.
Correção: já que “ogivas” não é sujeito da oração principal, o correto, e que soluciona a ambiguidade, é usar “caberem”. Coreia do Norte diz ter miniaturizado ogivas nucleares para caberem em mísseis
Às vezes a melhor ordem não é a direta:
Madonna diz que durante evento ainda ama Sean Penn – Começar a oração com sujeito nem sempre é a melhor opção.
Correção: Durante evento, Madonna diz que ainda ama Sean Penn
Regência
A preposição “a”, por ter apenas um toque, acaba sendo uma grande vilã nos casos de erro de regência. No uso da expressão “racismo a”, por exemplo, atropela-se o português para economizar cinco toques, já que o certo é “racismo contra”. Em outros casos, a preposição errada no lugar errado pode mudar o sentido do texto:
Romário se encontra com Maradona e pede prisão a corruptos do futebol – Parece que Romário pediu sua prisão aos corruptos do futebol.
Correção: a preposição “de” daria o sentido desejado. Romário se encontra com Maradona e pede prisão de corruptos do futebol
A ONU decidiu solicitar o envio de tropas ao Brasil – Parece que serão enviadas tropas ao Brasil, quando, na verdade, é o Brasil que deverá enviar tropas. Como “solicitar” e “envio” são regidos pela preposição “a”, é preciso atentar para a ordem dos termos.
Correção: ONU decidiu solicitar ao Brasil o envio de tropas
Artigos
Quando se internaliza a regra de que títulos não devem conter artigos, pode-se cometer erro.
Após flagrar traição de mulher, taxista morre em troca de tiros com rival – Sem o artigo “a” em “de mulher”, parece que foi a traição de uma mulher qualquer.
Correção: Após flagrar traição da mulher, taxista morre em troca de tiros com rival
Repetições
Às vezes repetir palavras pode parecer “feio”, mas é vital para manter o sentido do texto.
País sabe que escraviza, mas não a gravidade do problema, diz pesquisa – O sentido de “saber” deveria estar nas duas orações, mas o leitor não consegue fazer o pulo de uma oração para outra.
Correção: País sabe que escraviza, mas não conhece a gravidade do problema
Botafogo supera “gramado careca”, ABC e se consagra campeão da Série B – Parece que consagrar-se campeão foi um dos desafios superados pelo Botafogo.
Correção: Botafogo supera “gramado careca” e ABC, e se consagra campeão da Série B
Conectivo
Um erro comum tem sido o uso do “mas” ou “embora” entre ideias que não se contrapõem.
Áustria faz gol de mão contra seleção, mas juiz anula – Estranho seria se não anulasse.
Correção: Áustria faz gol de mão contra seleção e juiz anula
Possessivo
O uso do pronome possessivo sem explicações adicionais pode confundir o que é de quem.
Jô Soares constrange Jacaré ao falar sobre o tamanho de seu pênis
Correção: Ao falar sobre o pênis de Jacaré, Jô Soares cria constrangimento
Outras vezes o pronome é desnecessário:
Diretor morreu em sua casa
Correção: Diretor morreu em casa
“De forma”
Abusa-se da expressão “de forma”, às vezes desnecessária, às vezes substituível por um advérbio terminado em “mente”.
Conquistou o campeonato de forma invicta
Correção: Conquistou invicto o campeonato.
Me cansei de comunicar erros em matérias publicadas (grafia, concordância nominal, verbal, títulos, etc), inclusive, não raro, indagando se no jornal não havia o cargo de revisor. É claro que existe, mas, ao que tudo indica, pouco sabem. Mas não adianta. Desisti. Causa espanto que a Folha nada faça a respeito, em se tratando de um dos jornais mais importantes e influentes do país. É lamentável.