Colunista analisa jornalismo ao deixar o jornal ‘The Washington Post’
Desde 1966 no “The Washington Post”, o repórter e colunista Walter Pincus, ganhador do Prêmio Pulitzer em 2002 e especialista em assuntos sobre inteligência, defesa e política externa, se despediu do jornal americano em sua coluna de 29 de dezembro de 2015.
*
Por mais de 40 anos, tive sorte de fazer parte do “The Washington Post”.
Não há palavras para resumir minha enorme gratidão pela oportunidade que tive de escrever sobre assuntos de grande importância para mim e de ter um público leitor que frequentemente me respondeu, mostrando que para eles também eram temas de importância, concordando comigo ou não.
Foi Ben Bradlee [editor-executivo que trabalhou de 1965 a 1991 no jornal] que inicialmente me contratou em 1966, e três gerações da família Graham mais um grupo de redatores tiveram que me suportar, mesmo quando o que escrevi parecia criticar os assuntos em que eles acreditavam ou as pessoas que eles admiravam.
Anos atrás, entrei no escritório de Ben para pedir um aumento de salário. Ele me escutou um momento -nunca dava sua plena atenção por mais de um ou dois minutos- e, com o seu sorriso maravilhoso, respondeu, rugindo, “você é que deveria me pagar por toda a diversão que tem aqui!” Ben tinha razão.
Reconheço que o jornalismo está mudando. O “Post” é diferente hoje daquela edição de 1º de junho de 1960, em cuja primeira página consegui o meu primeiro crédito compartilhado para um artigo que tinha escrito, antes até de ser funcionário.
Mas o papel do “Post” de influenciar a política nacional nunca foi tão crítico como é hoje. Mais de uma vez me disseram que a primeira página do “Post”, do “New York Times” ou do “Wall Street Journal” são mais eficientes do que um memorando da Casa Branca se você quiser chegar ao presidente.
Deixando agora o “Post” tenho três preocupações sobre o jornalismo em geral, esta profissão que eu amo. Uma é como a mídia cresceu e quão mais influente ficou, primeiro com noticiários televisionados, depois com a TV a cabo 24 horas e agora com a internet e o Twitter.
A segunda é o quanto melhor os chamados produtores de notícias se tornaram em influenciar o que é escrito e transmitido ao público. Em muitos sentidos, eu sinto que os empreendimentos jornalísticos se transformaram em “mensageiros comuns”, imprimindo qualquer coisa dita pelos produtores das notícias -mesmo que eles saibam serem mentira ou incendiário- apenas porque a pessoa envolvida estava disposta a ser citada e porque tais histórias geram leitores, telespectadores e, atualmente, cliques na web.
A terceira é que a atual competição para ser o primeiro em dar a notícia e fazer comentários espertos está deixando para trás os fatos relacionados aos problemas complexos de nossa época. Fatos parecem estar perdendo espaço para argumentos e slogans no que é escrito e mostrado. Isso significa que o público é deixado para decidir sozinho sobre assuntos importantes, escolhendo entre diferentes argumentos sem saber muito sobre os fatos que podem ou não ser a base desses argumentos.
Em resumo, nos tornamos cada vez mais uma sociedade de relações públicas e, infelizmente, as relações públicas são hoje um elemento-chave da nosso forma de governar e de fazer política.
Sobre segurança nacional, meu foco de atenção, acredito que a mídia deveria se dedicar mais a três temas:
* A realidade da ameaça do terrorismo: O Estado Islâmico, tal com al-Qaeda, al-Shabab e outros grupos terroristas, deveria ser posto em perspectiva. Depois do 9/11, um oficial de inteligência muito sábio me disse, em 2002, “Convertemos 16 inteligentes terroristas da al-Qaeda em um movimento mundial, aparentemente mais perigoso aos americanos do que a União Soviética comunista com milhares de mísseis nucleares”. Nunca, nem no auge da Guerra Fria, instituímos tantas ações de segurança nos EUA como para combater o que é descrita como a atual ameaça do terrorismo. O presidente Obama colocou tudo em perspectiva em uma entrevista em 21 de dezembro, quando disse: “Não é uma organização que pode destruir os Estados Unidos… Mas podem nos machucar e podem machucar o nosso povo e as nossas famílias. Então eu compreendo por que as pessoas ficam preocupadas. Os danos mais graves que nos podem causar, porém, são mudanças na nossa maneira de viver e nos nossos valores”.
* Intervenção no Oriente Médio e na Ásia Central: Os Estados Unidos são o poder militar mais forte do mundo e o sistema político americano é o mais democrático. Não significa que outros países, como o Iraque, o Afeganistão e a Síria, com histórias, culturas e religiões tão diferentes, aceitarão os conselhos ou a direção de Washington nas suas formas de governar. Lembrem-se que foi necessária uma guerra sangrenta de quatro anos, com 620 mil americanos mortos dos dois lados e mais 460 mil feridos para conseguir unir esse país. O Vietnã deveria ter provado que a forma americana de governar não é tão facilmente transferível para outros países.
* Cobrir o Departamento do Defesa significa mais do que o que é certo ou errado: Essa área tem um orçamento central de US$ 548 bilhões neste ano fiscal, mais da metade dos fundos discricionários de toda a verba dos EUA. A forma que se usa esse dinheiro precisa de cobertura da mídia. O aumento para armas nucleares, os salários e os subsídios do futuro, incluindo os serviços de saúde para funcionários e para as suas famílias, e o fechamentos das bases militares precisam ser examinados. Há mais US$ 59 bilhões para operações ultramarinas de contingência, usados para combater o terrorismo, uma guerra não declarada pela qual os americanos não pagam impostos extras, mas deveriam. Como o Pentágono opera é outra área. Acompanhe o Comitê de Serviços Armados do Senado, que está analisando seriamente a estrutura das Forças Armadas e o acúmulo de atividades e até mesmo o futuro papel da Junta de Comandantes Combatentes.
Não é a minha intenção deixar essas sugestões só para que os outros usem quando eu não estiver mais no “Post”. Não é o final da minha coluna. A partir de 2 de fevereiro, vou escrever toda semana em um site relativamente novo sobre segurança nacional, o Cipher Brief. Depois de terminar um livro sobre o programa de armas nucleares dos EUA, pretendo voltar a escrever minha coluna duas vezes por semana.
Então, isso quase não é um “adeus”. É só até a próxima.
Tradução de GILL HARRIS