‘Serifa não vai morrer’, diz designer que criou a fonte Calibri
O designer holandês Lucas de Groot, responsável pela fonte Calibri e pela FolhaSerif, usada nos títulos da Folha, esteve no jornal nesta segunda-feira (19) para falar sobre tipografia.
Luc, como é conhecido, comentou as mudanças no visual da Folha, que hoje tem colunas mais estreitas e títulos com mais contraste do que em 1996, quando foi implementado o projeto gráfico com a letra criada por ele.
As colunas mais apertadas foram criticadas pelo designer, já que as quebras de linha acabam sendo mais frequentes, prejudicando a fluidez do texto. Ele diz que, quando concebeu a FolhaSerif, tentou capturar a vivacidade do “fogo sul-americano”, mantendo características curvilíneas e quentes nas letras.
Para ele, ao contrário do que muitos dizem, a era digital não vai matar as serifas –as pequenas “perninhas” que adornam as letras, tornando a leitura mais leve, e os tipos, menos redondos. Ele considera, por exemplo, que o novo logo do Google, alardeado como um sinal de que as letras sem serifa vieram para ficar, é uma moda temporária.
Luc veio a São Paulo para a conferência anual da ATypI (Associação Tipográfica Internacional), entre quarta (14) e sábado (17). Confira a seguir a entrevista que ele concedeu ao “Novo em Folha” nesta segunda, em sua visita à Folha.
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Novo em Folha – Hoje há um movimento de letras mais redondas. Algumas pessoas dizem que a serifa está morta. Você, que criou a fonte Calibri, pode ser considerado uma parte desse movimento?
Luc de Groot – Nunca tinha parado para pensar nisso. Acho que a serifa não está morrendo. A serifa é muito importante no processo de leitura. Ela dá mais elegância, fontes bonitas com serifa têm muito mais autoridade
do que fontes sem serifa. Não vai morrer, não.
Mas os designers têm usado cada vez mais fontes sem serifa e blocadas. Isso explica a popularidade da Helvetica, por exemplo. Você acha esse fenômeno irrelevante?
Na tipografia clássica, como nos livros e jornais impressos, a serifa permanece sendo a mestre da tipografia. No jornalismo digital, no começo era difícil, porque as telas tinham menor resolução [não conseguiam reproduzir as serifas]. Mas hoje você consegue ler uma manchete com serifas em um iPhone sem problema. Na Europa, todos os jornais usam serifas. Teve um jornal que ficou sem serifas uma vez, mas só fizeram isso por alguns anos e ninguém se interessou, ainda que tenha ficado muito bom, na verdade.
O fato de a Calibri ser a fonte do Word não influencia as pessoas a mudarem o padrão?
É verdade, faz sentido, mas essa não foi a minha escolha. Foi da Microsoft. Eles pediram uma fonte mono-espaçada [com caracteres com o mesmo tamanho]. Um pouco antes de eu terminar esse trabalho, pediram também uma fonte sem serifas. Eu mandei um rascunho da Calibri e uma opção com serifas, porque essas letras redondas não ficavam boas na tela do Windows. Eu disse que gostava mais da redonda, mas que a outra ficava melhor no sistema. Fiquei surpreso quando escolheram a fonte sem serifa. Eles mudaram o sistema para se adaptar à fonte, “renderizaram” um pouco melhor as curvas. Isso foi em 2003. Só muito tempo depois virou a fonte padrão.
Quando o Google mudou o logo e tirou as serifas, a justificativa foi que estavam adaptando a fonte para celulares, já que quanto mais redondo, mais fácil é mudar o ícone de tamanho, além de carregar mais rapidamente. Um logo pequeno com serifas não fica tão bonito.
Isso não é verdade. Uma tela com uma resolução boa consegue mostrar perfeitamente uma fonte Times New Roman. Não tem uma diferença muito grande de percepção e de velocidade de leitura.
Talvez tenham mudado só por causa da quantidade de dados que uma fonte serifada exige, então.
Sim, exige mais dados. Mas é pouca coisa. Hoje, os pacotes de dados estão crescendo muito. Se a fonte tem 20 bytes ou 5 kilobytes a mais que uma fonte sem serifa, não é realmente relevante, porque a fonte do sistema já está baixada no celular de qualquer jeito.
Então essa justificativa não faz sentido pra você.
É, acho que é só falatório de marketing. Cada pedacinho [de dados] importa na velocidade, mas não sei, acho que não é por isso que mudaram.
As pessoas se identificam com esse sinais? Não é uma referência estética importante o fato de o logo do Google não ter serifas, e o do “New York Times” ser decorado?
Sim, o logo do Google tem impacto porque todo mundo usa o tempo todo. Você vê todo dia. Mas não sei… Empresas mudam de logo constantemente. Daqui a cinco anos, podem mudar de novo e dizer “Olha só, agora os celulares são bons o suficiente para reproduzir as serifas”. Acho que é bla-bla-blá de marketing.
(Por Natália Portinari)