Repórter teve crise de consciência ao cobrir execução de brasileiro

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Por Daniel Castro e Felipe Giacomelli

O relógio marcava meia-noite e meia quando o jornalista Ricardo Gallo recebeu uma mensagem de texto no celular: “Acabou”. Era Tony Spontana, porta-voz da Procuradoria-Geral da Indonésia, confirmando o fuzilamento do carioca Marco Archer Cardoso Moreira, condenado por tráfico de drogas. Imediatamente, o jornalista enviado pela Folha ao país asiático noticiou a execução do brasileiro.

A história de Archer, porém, não terminou naquele 17 de janeiro. O caso deu origem ao livro “Condenado à Morte”, lançado pelo repórter nesta quarta-feira (4), em São Paulo. A obra conta como um instrutor de asa-delta optou pelo caminho do tráfico internacional de drogas e ficou 11 anos preso na Indonésia até ser executado. O evento, na Livraria da Vila do Pátio Higienópolis, incluiu um debate com o editor-executivo da Folha, Sérgio Dávila.

LANÇAMENTO DE LIVRO - GALLO
Ricardo Gallo (à direita) e Sérgio Dávila no lançamento do livro “Condenado à Morte”. (Crédito: Ernesto Rodrigues/Folhapress)

Na Indonésia, Gallo esteve com Maria de Lourdes Archer Pinto, tia do condenado, horas antes da execução. Ele chegou a pedir para acompanhá-la em sua última visita ao sobrinho, mas mudou de ideia. “Bateu uma crise de consciência, menos do lado jornalista, mais do lado pessoa. Era o último momento dela com o sobrinho, por que eu tinha que estar lá?”, disse o repórter.

Gallo desistiu de entrar na prisão e depois ficou sabendo, por um policial, que poderia ser preso e deportado se tivesse assistido ao último momento do condenado com a tia. Por ter precisado viajar às pressas, apenas três dias antes da execução, o jornalista havia entrado na Indonésia com visto de turista, sem permissão para trabalhar.

Com medo da legislação local, o repórter decidiu antecipar o retorno ao Brasil. Ele já estava no aeroporto de Jacarta quando recebeu a mensagem confirmando a morte de Archer. “Jornalista é como um médico: quando o paciente tem câncer, a dor não é sua. Mas com Marco foi diferente”, afirmou Gallo, que precisou tomar remédio para dormir nos cinco dias seguintes à morte.

O repórter contou que o carioca era estimado na prisão: “Um guarda disse que chorou quando soube da morte de Marco”. Segundo o jornalista, a pena capital não tem sido capaz de inibir o crime na Indonésia. “O próprio governo admite que a escalada do tráfico está subindo. Não é uma ciência exata em que você adota a pena de morte e a criminalidade cai”, afirmou.

HISTÓRIA DE CINEMA

Gallo teve contato pela primeira vez com a história de Archer em 2009, acompanhando um fórum de turismo na Indonésia. No ano seguinte, o jornalista teve quatro sessões de conversa com o brasileiro na penitenciária Pasir Putih. Desde então, os dois se falaram várias vezes por telefone e mensagens.

“Ele sabia que tinha uma história emocionante”, disse o repórter durante o lançamento da obra. Segundo o jornalista, o condenado considerava a sua trajetória cinematográfica.