“Foi a cobertura mais difícil que já fiz”, diz repórter que cobriu epidemia de ebola em Serra Leoa
“A gente chega lá e vê que é um povo que Deus esqueceu. Se a gente não escrever sobre isso, ninguém vai prestar atenção.” Foi essa a explicação dada pela repórter especial da Folha Patrícia Campos Mello sobre a iniciativa de cobrir a epidemia de ebola em Serra Leoa.
Ela e o repórter fotográfico Avener Prado falaram em um seminário na Folha nesta quinta (4) sobre a cobertura de dez dias neste que é o segundo país africano mais afetado pelo vírus – a Libéria é a campeã em registros da doença.
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, em Serra Leoa foram registrados 1.216 casos de ebola e 476 mortes. Em toda a África Ocidental, 3.707 pessoas foram contaminadas, com 1.848 mortes.
Até o momento, Avener e Patrícia formaram a única equipe brasileira a cobrir o ebola. O gesto deles nos faz pensar em até que ponto cada um de nós, jornalistas, está disposto a ir para contar a história de pessoas de quem o mundo parece ter se esquecido – e quantas histórias se perdem justamente porque não conseguimos chegar até elas.
“Tem pouco jornalista lá. É difícil de chegar, é perigoso. Se a gente não escrever, as pessoas só vão prestar atenção quando mais um médico americano infectado chegar em Atlanta”, disse Patrícia.
Antes de saírem de São Paulo, os repórteres precisaram tomar um coquetel de vacinas e passaram por sessões de orientação com um infectologista e com membros da organização MSF (Médicos Sem Fronteiras). Também fizeram tratamento preventivo para malária.
Um dos maiores perigos para quem vai cobrir uma epidemia de ebola é contrair outra doença. Como os sintomas causados pelo vírus são relativamente comuns, o repórter corre o risco de ir parar na zona de isolamento com pessoas infectadas.
VIGILÂNCIA
Em Freetown, a vigilância era constante e um policiava o outro. Gestos simples do dia a dia eram proibidos.
“É difícil controlar os impulsos de ver uma pessoa e cumprimenta-la dando a mão. Era muito torturante. Precisava ter muito cuidado onde tocava, sempre lavar a mão. A neura da doença era muito pior que a situação em si”, disse Avener.
Boa parte da cobertura aconteceu em Kailahun, no leste do país, onde a MSF montou um hospital para atender pacientes de ebola. Para chegar lá, é preciso um passe emitido pelo governo leonês, que tenta isolar a região. Foram dois dias e – muitos pedidos de propina recusados pelos repórteres – até que conseguissem o documento.
O medo do contágio, as dificuldades de locomoção e o fato de terem que enfrentar a pobreza e a morte de perto foram marcantes. Patrícia já fez outras coberturas em lugares como Moçambique, Índia e Afeganistão, mas disse que essa, sem dúvida, foi a mais difícil de todas.
Na volta para o Brasil, os dois ficaram uma semana em isolamento, por precaução.
“Quando cheguei em casa, a moça que faz a faxina me recebeu de luvas, mas fora isso as pessoas me receberam muito bem”, brincou Patrícia.