Ciência, saúde e política

rbotelho

Por Marina De Cicco, trainee de ciência e saúde


Em três semanas de treinamento em ciência e saúde na Folha já tratamos dos mais diferentes assuntos: conflitos éticos na medicina e no jornalismo, infectologia, genética, biodiversidade, neurociências, física teórica e até estatística.

A diversidade e complexidade dos temas mostram que a formação do jornalista científico é mesmo um desafio. Ainda que, como disse a neurocientista Suzana Herculano-Houzel em sua palestra, o bom jornalista de ciência não precise, a princípio, ser um especialista, certamente a formação é fundamental. Não por acaso, o primeiro programa de treinamento da Folha em uma área específica é justamente em ciência e saúde.

Também não por acaso os jornalistas de ciência presentes nos eventos importantes são sempre os mesmos, como contou a repórter Giuliana Miranda quando fomos à uma entrevista coletiva na Fapesp. Há pouca gente preparada para atuar na área, e, mais do que isso, há pouca gente interessada. O jornalismo científico é aquela atividade dentro do jornalismo que ninguém entende por que você foi fazer. Afinal, se um jornalista pode derrubar um ministro, por que ele escolheria escrever sobre meio ambiente, o novo medicamento para lúpus, o Ato Médico, a obesidade, o DSM-5 ou a cor dos planetas?

A conta de fato não fecha se não dermos o devido peso à importância política do jornalista de ciência e saúde. Em saúde o recente embate em torno do Programa Mais Médicos, do Ato Médico e da ampliação dos cursos de medicina em dois anos confirma que o setor está às voltas, tanto quanto qualquer outro, com interesses e lobbies de diversos grupos: conselhos de classe, universidades, empresários de hospitais e faculdades etc.

O mesmo vale para a ciência. A demora na aprovação de projetos de pesquisa, o monopólio de patentes e a polêmica do Protocolo de Nagoya são claros exemplos de disputa política que geram atraso e perda de recursos para o país.

Além disso, a interlocução entre ciência e tomadores de decisão ainda é precária, as descobertas científicas embasam menos do que deveriam as estratégias dos governos e ninguém sabe como construir decisões “de baixo para cima”, integrando conhecimento científico e participação do cidadão, comunidades e grupos menores.

Para completar, embora a vida das pessoas se paute cada vez mais por uma cultura de saúde, o brasileiro ainda é mais paciente do que gestor de seus próprios problemas, como bem lembrou a repórter especial Cláudia Collucci em sua palestra no curso.

Fica claro que o jornalista de ciência e saúde, além de descobrir como transformar temas espinhosos e técnicos em textos amigáveis e atraentes, deve elucidar a rede de interesses por trás dos acontecimentos na área e contribuir para aproximar ciência, leitor e política.

 

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