Aventura na Antártida

rbotelho

Por Giuliana Miranda, repórter de Ciência e Saúde

Chegar à Antártida, o último dos continentes alcançado pelo homem, é difícil, mas sair de lá pode ser ainda pior. Acontece o tempo todo com militares e cientistas, aconteceu com o Lula no auge do mandato e aconteceu comigo no último Carnaval.

Era para ser uma viagem simples chegando e saindo do continente gelado em um voo operacional da Força Aérea Brasileira. E o melhor: voltando para o Brasil a tempo de curtir a folia.

Mas, como em uma história em quadrinhos em que uma nuvem negra persegue os personagens, a curta pista de pouso da base chilena Presidente Eduardo Frei, que funciona como um aeroporto central na Antártida, estava sempre encoberta.

Durante três dias vivemos em agonia. Pela manhã, nos vestíamos com as pesadas roupas adequadas ao ambiente antártico e esperávamos juntos por uma janela para partir. Uma vez, alarme falso. Decolamos, mas só conseguimos ver a Antártida da janelinha. Fomos obrigados a voltar.

Sentimos o baque. A partir daquele momento, só teríamos duas opções: voltar para casa como o planejado, mas sem matéria e nem gostinho do Polo Sul, ou mandar para o alto planos com família e amigos –alguns com o editor, que ficaria desfalcado no plantão do Carnaval— e topar o que viesse em nome da informação.

Por unanimidade, escolhemos a segunda opção. E, como se o destino quisesse nos provocar ainda mais, descobrimos que teríamos de voltar de navio.

Em vez de três horas, a travessia passou a durar três dias. Dois deles praticamente inteiros nas revoltosas ondas da passagem de Drake, região em que as águas do Pacífico e do Atlântico interagem.

Nossos estômagos desacostumados logo sentiram o baque. Felizmente, à bordo do Navio de Apoio Oceanográfico Ary Rongel, que tão bem nos recebeu, foram embarcados mais de 600 comprimidos contra enjoos antes da saída do Brasil, em outubro do ano passado.

Mesmo devidamente drogados, não era possível ignorar o balanço. Cadeiras se mexiam de um lado para o outro, gavetas batiam, já era difícil ficar em pé. Sem internet nem telefone, jogados para cima e para baixo pelo mar “nível 7”, passávamos nossos dias nos revezando em três atividades: vendo DVDs na área comum (nossa circulação era limitadíssima), dormindo e, claro, comendo.

Era uma dieta digna de Michael Phelps: tínhamos cinco refeições diárias. Mas, em vez de seis horas de nado, a imprensa se dedicava a seis horas de nada.

Havia pouco vestígio de que estávamos em pleno Carnaval, fora uma piadinha ou outra sobre estarmos todos em camarotes (como são chamados os quartos nos navios).

A interação nesses espaços, aliás, estava mais para um Big Brother. No meu caso, dividi um exíguo espaço com mais cinco jornalistas. A ironia: a concorrência pouco a pouco abria espaço para a solidariedade. “Alguém tem um hidratante? Me empresta um Dramin?”

A repórter Giuliana Miranda no continente gelado

 

Também interagimos com os militares, tivemos tempo de entender melhor por que eles embarcam com destino a lugares remotos, longe da família e dos amores.

Quando o Drake ficou para trás e as águas calmas dos canais chilenos nos deslumbravam com sua vista, conseguimos voltar e escrever. Voltamos a ser capazes de raciocinar e pensar em pautas para mostrar ao editor.

Colocamos os pés em terra firme com a sensação foi de dever cumprido.  Ao me lembrar de como foi sentir no rosto o vento frio e cortante da Antártida e de ver  a determinação de militares e cientistas que trabalham nessas condições para reerguer a base brasileira e manter em funcionamento a pesquisa tupiniquim por lá, foi difícil conter a emoção. Não lamentei ter perdido nenhum bloco do Carnaval carioca.