Sobre a obrigatoriedade do diploma
Um debate sem fim.
Dois grandes jornalistas, que escreveram no sábado (1/9) na seção Tendências/Debates, nos ajudam a pensar.
Clóvis Rossi defende a não obrigatoriedade. Aos 69 anos de idade e 49 de profissão, é colunista da Folha. Para ele, “jornalismo é um exercício basicamente simples, que depende da boa execução de apenas quatro verbos: saber ler, ouvir, ver e contar”. Leia aqui a íntegra do texto.
Um dos primeiros repórteres de guerra do país, José Hamilton Ribeiro, 77, tem 57 anos de experiência a compartilhar. Para ele, a obrigatoriedade do diploma garante a formação e a “origem” do profissional.
“Antes do diploma, os integrantes de uma redação tinham origem em frustrados de outras profissões, estudantes sem rumo, boêmios, poetas (alguns finíssimos) e… braçais das empresas jornalísticas”, diz. (Aqui, o artigo inteiro.)
Boa discussão para continuar, não?
Pessoal, sem repito que vou deixar de debater questões relativas ao jornalismo, mas não consigo. Bem, aí vai minha opinião, misturada com a curta experiência que tenho: assim como uma colega que comentou, comecei a trabalhar como jornalista ainda na época da faculdade, quando o editor na revista na qual eu estagiava me chamou e disse que gostava do meu trabalho e que iria aumentar meu salário, para eu trabalhar no mesmo ritmo dos profissionais. Desse dia em diante passei a ser perseguido por uma colega da redação. O motivo: eu ainda não era formado e ela achava injusto ser comparada com o eterno estagiário. Naquela época se discutia bastante a questão do estágio em jornalismo, e muitos achavam que o estudante era uma mão-de-obra barata, uma forma de precarização da profissão. De fato era, mas fazer um estágio era praticamente a única maneira de ter o aprendizado prático da profissão, de aprender a trabalhar como jornalista. E acho que este início prematuro me ajudou bastante. Aguentei piadas e desaforos dessa colega por mais oito meses e resolvi procurar coisa melhor. Me formei, trabalhei em diversos veículos e mudei de opinião várias vezes nos últimos seis, sete anos. Hoje penso que o diploma de jornalismo é importante, sim. Mas não é tudo. Acho que ele é parte de um conjunto de necessidades da profissão —certamente não é a primeira— e só tem valor se estiver dentro de um pacote de medidas que, em minha opinião, deveriam ser tomadas para melhorar o jornalismo. Antes de elencar quais são as medidas, vamos analisar as condições do mercado hoje: o jornalismo está degradado porque as faculdades não formam um profissional em condições de trabalhar e, mesmo numa redação, se a pessoa tiver o mínimo de talento, vai demorar um ano ou mais para ela entrar no eixo. E quando digo que a faculdade não forma jornalistas é devido à falta de qualificação dos professores. Muitos nunca estiveram numa redação, não tiveram talento para construir algo mínimo em suas carreiras ou estão afastados do jornalismo há um bom tempo. Resumindo: a academia e a prática têm andado para lados opostos. Cada vez mais a condição de trabalho do jornalista vem caindo: falta de material adequado ao trabalho (gravadores, bloquinhos de anotação, computador em condições nada boas, entre outros). Há, sem dúvidas, a influência da questão trabalhista: nos últimos anos perdemos direitos fundamentais, estamos expostos a jornadas de trabalho draconianas, trabalho sem registro, salário abaixo do piso, assédio moral. Soma-se a isto a falta de condições intelectuais de muitos colegas, sobretudo os mais jovens. Com essa perda de referência do que é jornalismo e do que é jornalista, não é raro encontrar colegas que entendem pouco ou nada de coisas básicas para o cidadão e, certamente, para qualquer área que se pretenda cobrir: qual a função do Executivo, quais são os três poderes, o que é Estado Democrático de Direito, recorrer num processo judicial é direito ou é enrolação má fé? Por incrível que pareça, os exemplos que cito são reais e vi gente do mercado sem saber responder a essas questões. Aliás, vejo essas aberrações em jornais, revistas, televisão e rádio, e principalmente na internet, com muita frequência. Isso ocorre porque muitos jornalistas chegam à faculdade com deficiência cultural relativa a temas que deveriam dominar desde o final do ensino médio. Isso tudo deve ser somado à falta de profissionais capacitados a ensinar, dentro das redações, uma vez que a idade média dos chefes caiu muito e a experiência também. E muitos desses chefes nem tiveram a oportunidade de aprender algo com um bom jornalista. É por estes motivos —e contra eles— que defendo a obrigatoriedade de uma formação mínima. Olha, tem jornalista que não sabe fazer um lead, que acha que escrever para revista é fazer um ‘nariz de cera’, isso tudo e outras bobagens. Formar jornalistas não garante a qualidade, mas ajuda a dar bases aos poucos que vão exercer a profissão. Mas, simplesmente dar diploma nas mãos de quem pagou e frequentou por 4 anos um curso superior, é apenas parte das necessidades da nossa categoria. Precisamos de uma regulamentação que garanta direitos, inclusive para entrevistarmos um delegado ou juiz sem corrermos o risco de responder a um processo injusto ou sermos presos por ‘desacato’. Talvez de um instrumento que garanta o acesso a documentos públicos (algo específico para jornalistas, um complemento da Lei de Acesso à Informação), que garanta do direito de gravar em órgãos públicos, sem que um segurança espanque e expulse o jornalista, entre outros. Precisamos de instrumentos para extirpar os maus colegas, aqueles que inventam matéria, que copiam texto alheio, que prejudicam o companheiro de trabalho para subir na carreira, aqueles que aceitam ganhar menos do que o piso salarial. Em outras palavras, precisamos de uma regulamentação que garanta direitos e deveres à categoria e que organize o caos no qual o jornalismo se transformou.
o segundo link não funciona…
Não quero advogar em causa própria. Amo demais ser jornalista e isso tem me bastado. Mas em meio a todo esse debate, que vem de longa data e muitas vezes me azeda o humor, uma postura me incomoda mais que as outras. É quando alguém fala que vai jogar o diploma no lixo, porque não vale mais nada. Diante disso, me pergunto se quem fala assim acha mesmo que o valor do que aprendeu está realmente representado exclusivamente naquele canudo, e se esse valor depende de leis e de obrigatoriedades para ser validado. Essa postura soa quase como uma carteirada: “Abri caminho, ó ignaros; tenho o diploma, deixai-me passar”. O que quero dizer é que essa postura soa como se esses profissionais dependessem da validade do diploma para trabalhar. Pouco importa talento, competência, disposição. Só o diploma basta.
Pergunto. Sério mesmo que alguém vai se sentir menos jornalista só porque o diploma não é obrigatório? Sério mesmo que alguns formados acreditam que o diploma é sua tábua de salvação, seu único suporte de vida profissional, sua única garantia de trabalho? E o que aconteceu com sua vocação, com seu aprendizado, com seu talento, sua competência e capacidade de demonstrar aptidão para a profissão? Vão-se embora apenas porque o diploma perdeu a validade?
Esses que assim tratam seus diplomas, o tratam como amuleto, como os cabelos de Sansão. Esquecem-se do mais importante, daquilo que carregam e que é intangível e muito mais valioso e significativo. Mas se dependem tanto assim da validação de seu papel enrolado, assinado, legitimado, carimbado feito um Plumct Plact Zum para voar, é porque se esqueceram (ou nunca tiveram) do que realmente importa. E esses, com ou sem diploma, não são, nem nunca seriam, jornalistas.
Rogério,
Não acredito que quem defenda o diploma o faça por estas motivações que você mencionou. Achei seus argumentos injustos, de certa forma.
Não há a defesa, creio eu, entre aqueles que dizem “sim” ao diploma, de um mero pedaço de papel. Uma pessoa diplomada que argumenta a favor de sua formação acadêmica pode ser tão ou mais talentosa ou apaixonada pela profissão do que os outros.
Quando você reduz o diploma a apenas um objeto para aqueles que querem se achar superiores, você não percebe que, neste papel, há sonhos, investimento, vontade e, sim, vocação, muitas vezes.
Cursar uma faculdade não é tarefa fácil. Para muitos, como eu, o diploma é o resultado de um trabalho e investimento enormes. Se uma pessoa assim o faz, luta muito por seu papel assinado, não merece ser reduzida desta forma como você colocou.
Não argumento sobre a validade ou não do diploma porque temo ser levada por objetivos pessoais e subjetivos e, acho, é o que o seu texto revela sobre a sua opinião.
Acho lógico que uma pessoa que investiu quatro anos em sua formação e gastou muito dinheiro fique irritada por ver que, aos olhos dos outros, isso não tem valor. E, quando eu falo dos outros, não digo daqueles que realmente estão envolvidos no universo jornalístico, mas sim daqueles que estão de fora dos debates e julgam todo o trabalho de um profissional como “qualquer um faz”.
A reação dos diplomados, na minha opinião, é muito mais de defesa do que de ataque aos não formados, como você expõe.
Você exalta aqueles que não tem diploma (você) e reduz aqueles que têm. Argumentar sobre a validade ou não do diploma é válido, mas sobre as motivações alheias para ser e se formar jornalista é, no mínimo, injusto.
Vou partir da mesma lógica que você. Eu sou pobre, negra, andava duas horas diárias para ir a faculdade (ida e volta) porque tinha que pagá-la e não sobrava para a passagem. Trabalhava em pé oito horas por dia e carregando televisão pesada no centro de Belo Horizonte. Tudo isso pelo meu pedaço de papel… Posso falar que quem não tem diploma não teve a mesma força de vontade, não foi movido por uma vocação capaz de sacrificios =). Enfim, só para exemplificar como acho injusta a sua argumentação.
Por mim, que seja contra ou a favor quem quiser, mas que se ateiam aos fatos e não às pessoas que defendem ou não o diploma.
Discordo completamente da Juliana, e acho que aqueles que defendem o diploma fazem, sim, para atacar pessoas que não o tem, mas que exercem a profissão.
Estou no último ano de jornalismo na Pucamp, trabalho em redação e, por isso, convivo diariamente com jornalista ou “profissionais que exercem a área”. Quem é a favor da obrigatoriedade, o faz unicamente por não aceitar quem não é formado na profissão. Eu sou uma das poucas da minha sala que sou contra essa obrigatoriedade e vejo de perto essa raiva contra aqueles que trabalham, mas não fazem ou fizeram jornalismo.
Chega a ser triste.
Poisa é, Bia. Numa profissão que deveria ser esteio do pensamento livre e aberto, ausente de preconceitos e discriminações, vê-se comportamentos tão reacionários. Triste.
Bia,
Você diz que ” aqueles que defendem o diploma fazem, sim, para atacar pessoas que não o tem, mas que exercem a profissão” e “Quem é a favor da obrigatoriedade, o faz unicamente por não aceitar quem não é formado na profissão”.
Que eu saiba, não foi realizada nenhuma pesquisa sobre isso. Foi? Por qual órgão? Entrevistou quantos diplomados? De qual faixa etária? De quais regiões do Brasil? De instituições públicas ou privadas?
Sem dados que comprovem tais afirmações não dá para discutirmos uma opinião sobre a motivação alheia para defender o diploma. Conheço várias pessoas que defendem a obrigatoriedade por motivos que vão muito além destes.
Oi, Juliana. Não quis, de forma alguma, destratar quem tem o diploma. Sei muito bem o quanto ele custa para quem o faz por merecer. Minha crítica se dirigia justamente a quem não valoriza o que aprendeu para merecê-lo. Quando alguém diz que jogará o diploma no lixo caso prevaleça a não obrigatoriedade, no meu entendimento está desprezando tudo aquilo justamente pelo que você lutou. Quem tem essa postura – e foi o que eu quis dizer – está desvalorizando seu aprendizado, como que dizendo que ao não valer como reserva de mercado, de nada serve o que ele sabe (e que não está no diploma, mas no profissional). Em resumo, quero dizer que quem tem talento, competência, capacidade e se dedicou a aprender o que precisa se aprender para exercer a profissão, não precisa de diploma para legitimá-lo. Se, numa situação hipotérica, após testar dois candidatos – um com diploma e outro sem – o editor preferir o não diplomado, talvez seja por pura competência. Emfim, tudo que quis dizer é que o diploma não garante competência, no máximo serve como um filtro, presumindo-se que quem o tem saiba alguma coisa mais sobre a profissão do que quem não tem. Mas, infelizmente, pelo que ouço nas redações, esse “atestado” de competência e conhecimento não tem se mostrado garantidor de nada. Com ou sem diploma, o que vale é o profissional, a bagagem que ele traz e sua disposição para trabalhar com correção, ética e princípios. Se tiver diploma, ótimo, um motivo a mais para que se contrate. Se não tem diploma, ótimo, um motivo a menos para que se contrate. Mas que a escolha e a disputa por uma colocação no mercado não dependa de algo tão subjetivo e sim da competência de cada um. Diplomado ou não.
Rogério,
Se você defende que o diploma não é garantidor de nada, por que condena quem diz que vai jogá-lo no lixo?
Quando alguém fala que vai se desfazer do pedaço de papel não está desvalorizando o que aprendeu ou invalidando seu talento e competência.
Vários colegas meus já disseram isso, mas porque SOCIALMENTE e, em alguns casos, PROFISSIONALMENTE, o diploma de jornalismo é um acessório dispensável. Se assim o é, o raciocínio de “vou forrar a gaiola de passarinho com o diploma” torna-se legítimo, não por quem que o possui o desclassifica, mas sim por ser o único que o classifica, o que não adiantará muita coisa diante da opinião do mercado e da sociedade.
Se uma pessoa gasta quatro anos, 70 mil, tempo e estudo em um diploma, acho muito lógico que não aplauda a invalidação dele. Se uma pessoa o possui (como no meu caso) é porque avaliou que ele seria útil para o mercado e, sim, se investiu tanto é porque tinha vontade de que ele abrisse portas, né? Coerente.
Como eu falei, não estou defendendo ou condenando a obrigatoriedade, mas não concordo com a sua postura de querer julgar a motivação alheia de quem o defende, até mesmo afirmando que uma pessoa não tem talento para o jornalismo porque se aborrece com a não obrigatoriedade.
Investir numa formação não é, nem nunca será, desperdício de tempo ou dinheiro, independentemente de obrigatoriedade ou não de diploma. É esse meu ponto.
O que valida uma formação é o que você faz dela. Digo isso partindo da crença de que não existe ensino, existe aprendizado. O que você faz com o que tentaram ensinar, o que você faz com seu tempo e sua oportunidade de aprender definirá qual tipo de profissional você será. O diploma é só enfeite. Medalha, sim. Meritosa na maioria dos que se formam. Mas mérito mesmo é o que você faz com o que ela, a medalha, simboliza. Você representa o diploma. Não é o diploma que representa você.
Na minha visão (sempre passível de parcialidade, equívocos e recalques, admito sempre) quem acha que o diploma – e todos estudos inerentes a ele – perdeu a validade com a não obrigatoriedade, está desconsiderando o que aprendeu na faculdade. É como se apoiar numa reserva de mercado. É como temer uma maior concorrência por não se considerar apto a deixar comendo poeira quem não tem o diploma. É como não confiar na própria competência para se provar, numa livre concorrência entre diplomados e não diplomados, que é melhor preparado. É se ver diante da pergunta fundamental: você está preparado? E ao invés de respondê-la com firmeza e consistência, com clareza e propriedade, apenas mostrar o diploma, em silêncio, como se isso bastasse.
Reforço: essa é uma visão minha. Não afirmo que seja uma verdade universal. Assim como não creio que a Bia tenha tido a intenção de universalizar como verdade um impressão pessoal dela, nascida a partir de onde trabalha. O que ela fez foi contar sua história e suas impressões pessoais sobre um fato de seu cotidiano, como fazemos com os personagens das matérias, sem qualquer intenção de universalizar uma verdade particular.
Acho que a não obrigatoriedade tira da zona de conforto uma parcela da classe jornalística e isso incomoda, assusta, espanta e causa uma grita muitas vezes calcada num corporativismo enrustido, num clubismo que não se enquadra na visão que tenho de um bom jornalista: sempre aberto a ouvir, entender, refletir e contrapor, quando for o caso de contrapor. A grita que tenho ouvido, salvo raras exceções, são muito mais “esperneios” e muxoxos do que argumentos sólidos.
Minha crítica sempre vai para quem não se move, para quem estagnou ou para quem quer levar a profissão na flauta, como se dizia antigamente. Quantos aos recém-saídos das faculdades, ávidos por uma justa e merecida oportunidade, cabe fazer valer o que aprenderam e conquistarem seus espaços como venho conquistando o meu: com esforço, dedicação, estudo, empenho e paixão. Qualquer coisa menor que isso não serve, com ou sem diploma.
O talento, dedicação e amor ao que faz supre qualquer exigência de diploma. Seria ilógico, em uma sociedade livre, excluir o talento em detrimento de regras impostas.
http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=334
sem mais meritíssimo.