Enviar o texto à fonte antes de publicá-lo: pode ou não pode?

Cristina Moreno de Castro

O repórter da revista sãopaulo, da Folha, ALEXANDRE ARAGÃO, 22, ex-trainee da 52ª turma do Programa de Treinamento, enviou a seguinte ótima reflexão para nós:

 

“O repórter Daniel DeVise, do “Washington Post”, viajou até a Universidade do Texas, entrevistou pessoas, consultou documentos e, depois, escreveu uma reportagem. Em seguida, enviou o texto a Tara Doolittle, diretora de comunicação da instituição.

“Aprecio a oportunidade de ler isso antes da publicação, mas tenho que admitir que estou incomodada com o conteúdo”, disse ela, por e-mail. “Tudo aqui é negociável”, respondeu DeVise.

No fim das contas, o texto foi publicado no jornal com algumas das alterações sugeridas.

A troca de e-mails foi trazida a público pelo site “Texas Observer”, após pedido de acesso à informação. O debate suscitou um esclarecimento do editor-executivo do “Washington Post”, Marcus Brauchli.

“Nossa política não proíbe um repórter de compartilhar rascunhos com uma fonte”, disse ele, por e-mail, ao “Poynter”. Para Brauchli, casos específicos justificam o envio do texto antes da publicação, mas essa prática é “desencorajada” pela chefia do jornal.

Em maio deste ano, em palestra na Folha, o veterano do “new journalism” Gay Talese foi taxativo sobre o assunto: nunca mostra seus textos às fontes antes de serem publicados.

Esse parece ser o consenso sobre o tema. Mas, em alguns casos, o assunto adquire tons de cinza.

Em 2010, o perfil vencedor do Prêmio Esso na categoria informação científica passou pelo crivo do perfilado. Quem diz é o próprio autor do texto, João Moreira Salles, da revista “piauí”.

O assunto da reportagem “Artur Tem um Problema” é o trabalho do matemático Artur Avila. “Ele lida com ideias altamente abstratas”, disse Moreira Salles durante o Congresso de Jornalismo da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) do ano passado. “Por isso, submeti o texto a ele para evitar que publicasse incorreções.”

Depois desses exemplos, fica difícil chegar a uma reposta para o título do post.”

O que vocês acham?

 

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Comentários

  1. O texto sugerido no final da matéria é bem completo, sobre como agir em determinadas situações. Vale a leitura.

  2. Minha postura é muito parecida com a do William, pergunto mesmo, quantas vezes forem necessárias. Quando é uma matéria de ciência ou algum assunto muito técnico até já peço para voltar a ligar se tiver dúvidas. O importante é o texto ir correto.
    Uma ou duas vezes deixei a fonte ler o trecho que dizia respeito a fala dela e o resultado é que elas alteravam o texto para parecer mais importantes, em vez de corrigir alguma imprecisão… o.0 Pelo menos aprendi a lição.

  3. O Felipe esclareceu bem a questão. Uma discordância antes da publicação pode trazer problemas. Agora, cabe lembrar que o tempo é o grande inimigo do jornalista. E, em alguns casos, o repórter pode cometer erros por não conseguir fazer esse trabalho todo com a calma necessária.

  4. Trabalhei um bom tempo como assessor de imprensa e sempre que algum dos meus clientes pediam para ler a matéria antes de ser publicada eu informava que essa não era uma prática usual no meio. Minha opinião é que as reportagens não devem passar pelo crivo da fonte. Cabe ao jornalista apurar bem, conforme as táticas que o Wlian citou. Quando forem dúvidas conceituais creio que mais perguntas possam resolver a questão. E se contar com um bom assessor de imprensa ele terá a preocupação em deixar esses pontos claros e contribuir para evitar erros na reportagem. Tenho a impressão que uma boa intenção pode causar certo constrangimento para as duas partes se houver discordância em relação ao conteúdo da matéria. E isso pode abalar a relação com a fonte.

  5. Tenho por princípio não mandar. Mas a regra pode ser quebrada numa exceção. Agora, para evitar esse constrangimento, desenvolvi algumas técnicas que uso durante e depois da entrevista: quando o assunto é muito complicado procuro repetir para o entrevistado o que anotei ou o que entendi: É desse jeito mesmo, fulano? Tirar a dúvida é sempre bom e perguntar não ofende, ou não deveria ofender. Ao final da conversa, aviso: podem surgir outras dúvidas na hora de redigir. Posso retornar a ligação, você pode me dispensar mais algum tempinho para esses esclarecimentos, caso precise. Quando é uma fonte que tem familiaridade com o jornalismo, ela geralmente gosta desta posição e se sente até mais confortável. Quando é alguém com menos familiaridade com a mídia, explico a importância disto para que eu publique a informação correta. Isso funciona. Agora, mandar o texto é só se eu estiver muuuuito inseguro quanto ao conteúdo. E, além disso, só abro minha matéria antes da publicação se eu confiar na fonte, justamente para evitar que a pessoa queira fazer propaganda na matéria, se arrependa de algo que disse, ou algo parecido.

  6. Acho que a melhor resposta aqui é “depende”.

    Peguemos uma revista de divulgação científica, por exemplo (de cara eu lembro da Pesquisa Fapesp). Muitas vezes a reportagem traz muitos termos e informações técnicos. O repórter tem por obrigação deixá-los claro para o leitor. Mas, por não ter domínio do assunto, corre o risco de cometer algum deslize – e todos sabemos que as erratas nas edições seguintes não têm o mesmo alcance. Em casos como esse, não vejo problema em apresentar a reportagem para a fonte antes de ser publicada.

    Por outro lado, se a reportagem for mais “factual”, “noticiosa”, sou contra. É notório que as pessoas só gostam de aparecer quando a matéria só fala bem, e qualquer solicitação de mudança atentaria contra o bom jornalismo.

  7. Vai depender muito do assunto, mas dentro de um assunto que o jornalista não tem muita segurança eu acho interessante sim.
    Eu trabalhei metade da minha vida jornalística em assessoria e sei bem que existem técnicos que são muito bons no que fazem mas são péssimos para explicar. Acaba o jornalista saindo com a certeza que é uma a informação é uma laranja,quando na verdade é um limão. Mas acho também que o jornalista não precisa enviar a matéria toda. Talvez só a ideia central compreendida pelo jornalista sobre a informação cedida pela tal fonte já seria o suficiente para esclarecer mal entendidos. Também é uma certa atenção com a fonte, que você pode vir a precisar mais uma vez no futuro.

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