A prática diária do desapego com o “seu” texto

Paula Leite

O trainee Trajano Pontes fez uma reflexão importante após as aulas com o Fabrício Corsaletti, sobre a dificuldade de se desapegar do texto e o papel da edição. Eu acrescentaria um pensamento só: por mais que seja difícil se desapegar da sua versão, eu já tive diversas vezes a experiência de ter meu texto editado e ele ter resultado muito, mas muito melhor, e aprendi muito com a experiência.

Dentro da oficina de texto com o Fabrício Corsaletti, lemos e analisamos duas versões de um mesmo conto (‘Por que não dançam?’, de Raymond Carver).  Começamos pela ‘versão do autor, sem cortes’, só publicada por iniciativa da viúva do norte-americano, já depois da sua morte. Passamos, em seguida, à versão que se celebrizou em vida, toda trabalhada pelo editor, sem a chancela (e, aparentemente, sem o apreço) do autor. Em poucas palavras? O horror, o horror!

Claro que o trabalho de edição é mais grave e potencialmente perigoso em textos literários que em jornalísticos. Pela própria natureza das coisas, choca mais a modificação por terceiros daquilo que o autor-artista quis de fato dizer. Diametralmente oposta seria a posição do jornalista, de quem se esperam coesão, coerência e compromisso com o factual, mais que valor artístico do texto em si.

Mas não consigo não ter em mente que, ao final do dia, o trabalho do jornalista é em boa parte intelectual e o resultado dele, quando escrito, deveria ser respeitado tanto quanto possível. Não que todos os jornalistas tenham ou pretendam ter verdadeiro talento artístico, mas, como humanos, a tendência a achar que o que deve ser informado está mais bem dito da maneira como se escreveu na largada, mais próximo da apuração, parece fazer parte da natureza humana. Se é que existe algo como natureza humana.

Mais: tenho a impressão –paradoxal– de que um repórter seja mais valorizado na medida em que for mais ‘autoral’, o que afasta ou deveria afastar o trabalho de edição pesada.

Tento transpor minhas impressões sobre o resultado do trabalho do editor sobre o conto lido em classe (lindo, a propósito) para um ambiente de redação de jornal diário, marcado pela velocidade e pelo fantasma do fechamento. Deve ser um interessante choque de personalidades a relação entre repórter e editor, imagino. Impressão de um trainee em formação, claro, sem experiência prévia em uma redação real. Talvez não seja nada disso.