Noticiar crime incentiva o crime?

Cristina Moreno de Castro

Outro dia fizemos a seguinte questão no blog: por que é que, quando surge um caso de grande repercussão, outros parecidos “de repente” começam a pipocar em seguida?

Por exemplo, por que, quando Isabela Nardoni caiu da janela, os jornais passaram a noticiar diversas outras quedas de crianças? Por que, quando houve o acidente com jet ski em Bertioga, que matou uma criança de 3 anos, outros tantos acidentes com jet ski foram publicados em seguida?

O pessoal respondeu que tem a ver com o fato de que:

1) Os repórteres passam a ficar mais atentos para uma realidade que não sabiam que existia até terem tido que cobri-la exaustivamente no primeiro caso de grande repercussão

2) O interesse do público pelo assunto também aumenta, fazendo com que o assunto vire pauta a partir daquele gancho inicial

3) Não é todo mundo que entende de jet skis e de como é a regulamentação deles, para perceber que um menor de 18 anos pilotando é notícia, por exemplo. Quando temos que cobrir o primeiro caso, aprendemos como funcionam as coisas, para que o que já banalizou, mas é errado, possa ser denunciado a partir de então.

Mas a leitora Joana Rizério levantou outra questão:

“claro que sempre houve casos de todo o tipo, só não chegavam a chamar tanto a atenção. mas será que noticiar tanto não incentiva o crime?”

O que vocês acham?

Comentários

  1. Acho que não é uma questão de opinião, de “acho que sim” ou “acho que não”.

    Existem estudos a respeito, e eles nunca foram conclusivos sobre uma influência direta sobre a ocorrência absoluta de crimes. Por um motivo: a única forma de medir a influência é o criminoso mencionar essa influência. Mais ainda: os criminosos são uma proporção pequena da população, em geral. Portanto, também são uma proporção pequena da população exposta a uma notícia, por mais popular que ela seja.

    Existem estudos segundo os quais o “efeito copycat” influencia mais nas técnicas do que na propensão. O cara que quer fazer besteira vai fazer de qualquer jeito, mas sempre pode ser que ele ache uma boa ideia o jeito de fazer besteira que viu na TV.

    https://www.ncjrs.gov/App/publications/Abstract.aspx?id=125778

    Este outro estudo aqui mostra que notícias de suicídio estimulam mais imitadores quando o suicida é uma celebridade. Quando é um anônimo, menos.

    http://jech.bmj.com/content/57/4/238.full

    Este outro estudo mostra que, entre jovens que admitiram imitar crimes de que souberam pelo noticiário, a influência do que leram/viram é maior do que a influência de amigos. Cerca de um quarto dos jovens entrevistados disseram ter imitado crimes.

    http://cad.sagepub.com/content/48/1/46.abstract

    Dentre os criminosos, mesmo os que admitem ter se inspirado em crimes do noticiário se inspiram em variados crimes. Cada um tem o seu ponto fraco. Não é como se a notícia tivesse o condão de gerar uma onda de Lindembergs ou Wellingtons. Mas o cara que está propenso a fazer besteira, e ele é uma minoria muito pequena, pode se inspirar.

    Na média, acho que noticiar crimes (como roubos a caixas eletrônicos, por exemplo) tem mais potencial de fazer bem do que mal. Complicado é quando a atenção dispensada parece celebrizar o criminoso, mas cada um tem sua definição do que é celebrizar o criminoso. Para os mais propensos à censura, publicar qualquer notícia sobre crime é celebrizar o criminoso.

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