Jornalismo no Vietnã
A leitora Larissa Tsuboi está no Vietnã e nos enviou um relato de como é ser jornalista lá.
Está grande, mas vale a pena ser lido neste domingão 🙂
“Desde que cheguei ao Vietnã para trabalhar como voluntária, tinha como um dos meus objetivos entender como funciona a imprensa num país comunista do ponto de vista dos jovens.
Foi uma grande satisfação encontrar estudantes de jornalismo que poderiam me fornecer uma visão mais honesta da profissão e do que eles esperam para as próprias vidas no futuro.
Um dos motivos que me levaram a escolher o Vietnã foi justamente tentar entender uma mentalidade completamente diferente da nossa – e de todo o mundo ocidental – sobre relações pessoais, trabalho, religião, cultura e, no caso do Vietnã, democracia e liberdade de expressão.
Conversei com três garotas que estão ligadas de certa forma ao jornalismo e que me explicaram alguns tópicos da profissão num bate papo pontuado por dificuldades com a língua. Tanto da minha parte, por não compreender a pronúncia do inglês delas, quanto da falta de vocabulário da parte delas para expressar suas ideias. Eis a conversa que tivemos separada por tópicos:
Ser jornalista no Vietnã
A profissão de jornalista está longe de ser glamurosa. Duong Khan Nguyen, estudante de Relações Internacionais, e Hang Phí Thi Thu, do curso de TV e Radiodifusão, ambas de 19 anos, contam que a reação comum das pessoas quando dizem que pretendem trabalhar como jornalistas é pensar nos baixos salários e no trabalho duro ao qual terão de se dedicar.
O lado positivo – e similar ao Brasil – é lembrar que jornalista possui um repertório bastante rico e diversificado, além de poder viajar e conhecer novos lugares (só em parte verdade, na minha opinião).
A sociedade vietnamita é bastante machista e isso se reflete diretamente no dia a dia desses jovens que ingressam no mercado de trabalho. Segundo as estudantes, parte da sociedade – principalmente os mais velhos – acredita que jornalismo é uma profissão perigosa para mulheres. “Para trabalhar em outros países, como Síria ou Líbia”, complementa Duong, apaixonada por TV e pela língua inglesa. Segundo ela, as mulheres não concordam com esse pensamento e a vontade de quebrar esse preconceito fica explícita quando ela menciona que, dos 50 alunos de sua sala de aula, apenas cinco são meninos.
Jornalismo e censura
Abordar a censura no país é um assunto desconfortável para os jovens vietnamitas, ao menos pelo que pude perceber até agora. Foi também o momento que mais me surpreendeu em toda a conversa. A palavra escolhida por Duong para descrever os jornalistas presos pelo governo comunista foi “imorais”. Para ela e Hang, a amiga que sonha em se tornar editora de um telejornal, a prisão desses jornalistas se justifica se as reportagens escritas contêm o que elas chamam de mentiras sobre o governo e o partido.
“Eu concordo com meu governo. A política no Vietnã é muito pacífica”, diz ela.
A imprensa no Vietnã é totalmente controlada pelo governo, desde os grandes canais de televisão até as pequenas rádios locais. Os jornalistas que trabalham para os grandes veículos têm maior status e também recebem maior atenção da censura. Grande parte dos que chegaram lá tinham conhecidos dentro das empresas ou tiveram de pagar uma quantia de dinheiro por fora para conseguir o emprego. Meritocracia ainda é um procedimento pouco conhecido no país.
Jovens como Duong e Hang desconhecem a importância da liberdade de expressão como nós a conhecemos. Para elas, se o governo está levando o país a crescer economicamente, não há por que reclamar. Fica fácil para o governo inventar que os jornalistas subversivos estavam envolvidos com prostituição ou ações ilegais. Poucos irão discordar.
Ao mesmo tempo, a proibição ao Facebook no país é a expressão clara de como o governo tenta interferir na vida desses jovens, mas de uma maneira ineficaz e antiquada. Qualquer jovem vietnamita consegue acessar a rede social por meio de programas de computador que burlam a restrição – e lerdeiam todas as páginas da internet. Duong reconhece a ineficácia da ação: “O Facebook é parte da minha vida e a proibição não tem valor algum”.
O Twitter é permitido aqui (ainda), mas há boatos de que o governo planeja reforçar a vigilância às redes sociais.
O curso
O sistema para ingressar no curso superior no Vietnã toma como base um exame nacional ao fim do colégio. A partir da pontuação obtida nesse exame, os alunos podem ingressar na universidade desejada ou tem de se contentar com instituições menos renomadas.
A universidade de Duong e Hang, localizada na capital Hanói, é uma das melhores do país (embora haja apenas 4 instituições principais relacionadas ao curso).
Diferentemente do Brasil, antes de ingressar na universidade, elas precisaram escolher entre os cursos de TV e Radiodifusão, Rádio, Internet, Jornal impresso, Fotografia ou Gravação.
O primeiro ano de formação de todos os cursos é dedicado a conhecimentos gerais, como introdução à economia, filosofia e política. A graduação em determinado curso não exclui, porém, a possibilidade de se trabalhar em outras áreas. Aliás, a própria profissão de jornalista não exige a formação em um desses cursos.
Duong reclama do foco em certos assuntos que considera distantes da realidade em que vai trabalhar. Ela, que nunca ouviu falar em Sócrates, ainda tem mais um dos três meses de estudos voltados à filosofia de Lênin. Enquanto aguarda as aulas práticas, Duong se reúne com colegas nos clubes de estudantes para gravação de telejornais acadêmicos. Poucos de seus professores trabalham como jornalistas, o que para as estudantes, no entanto, não chega a ser problema algum.
“Não precisamos de longos textos, mas de breaking news” – Duong
Estudante de jornalismo no Vietnã não lê jornal impresso. Para eles, ler notícias pela internet é mais confortável e econômico. No Brasil se diz que estudante não tem dinheiro, mas nada se compara ao Vietnã, onde os pais hesitam em lhes dar mesada, não há meia entrada em cinemas e até mercados de roupas baratas e de baixa qualidade são voltados a eles.
Um exemplo é a estudante Liu Huye, de 22 anos, que escolheu estudar Comunicação Externa (algo como Relações Públicas) por acreditar que o curso lhe proporcionaria melhorar sua comunicação. Liu afirma que ler jornal impresso ao lado alguém chega a ser incoveniente pois as páginas são grandes. Tendo o conforto proporcionado pelo computador, ela não vê necessidade em pagar por um jornal impresso.
Quando questionada sobre a crise dos veículos impressos frente à digitalização das notícias, diz desconhecer do que se trata: “Existem banners e anúncios nos sites, isso é suficiente pra ganhar dinheiro”, afirma ela, repetindo um pensamento que encontrava ressonância no Brasil décadas atrás.
O que me preocupa nessa história toda é pensar que essas garotas fazem parte de uma elite intelectual do Vietnã, com condições de pagar aulas de inglês em escolas particulares e de ingressar numa das universidade mais disputadas do país.
No Brasil, por mais que o mercado de trabalho esteja exigindo cada vez mais rapidez nas notícias em troca de menos aprofundamento, existe uma boa parte de estudantes de jornalismo e recém-formados que busca informação de qualidade. Há toda uma discussão em torno do futuro do jornalismo e do papel da imprensa no caminho que o Brasil vem traçando. Isso tudo não existe no Vietnã e a impressão é de voltar no tempo umas cinco décadas. Se o Vietnã caminha pra ser um dos fortes nomes da economia do sudeste asiático, do ponto de vista jornalístico, o cenário é desanimador.”
Você também mora em outro país e quer dividir conosco como é o jornalismo lá? Envie seu relato para novoemfolha.folha@uol.com.br 😉
Excelente texto. Longo, sim, mas interessante de ler e isso que importa. A sensação de “voltar no tempo” deve ser algo comum à qualquer viagem a países comunistas. Em Cuba, me senti da mesma forma. Com a diferença de que, lá, os jovens são muito mais insatisfeitos que os mais velhos com relação ao regime. Bom relato.
Adorei o relato. Muito legal conhecer um pouquinho do jornalismo praticado e estudado em outros países.