A dificuldade de pautar a si mesmo

Paula Leite

Hoje começamos a publicar posts escritos pelos trainees da 53ª turma do Programa de Treinamento, que começou no dia 17/4. Eles vão escrever sobre exercícios e atividades que fazem no programa e sobre as experiências deles ao apurar, escrever e editar reportagens.

O primeiro post, da trainee Carolina de Andrade, é sobre um exercício que os trainees fizeram em que tinham que achar, apurar e escrever uma pauta própria na rua (quer dizer, não foram pautados por um editor; cada um decidia o que fazer).

O relato da Carolina:

Semana passada nós trainees recebemos uma missão: encontrar uma pauta na rua, apurá-la e transformá-la em uma matéria.

Moro próximo a de um dos ecopontos da Prefeitura de São Paulo e em várias ocasiões vi estulho descartado nos arredores, especialmente às margens do córrego que passa em frente ao local. Sempre achei que ali tinha uma boa pauta, então resolvi investir nessa história. Peguei os endereços de alguns ecopontos próximos da Folha e da minha casa e fui apurar minha pauta – pauta e não pré-pauta, já que eu tinha certeza de que ela se sustentava.

Algumas horas e cinco ecopontos depois, minha pauta havia caído feito jaca madura e sem chances de salvação: não encontrei entulho nem perto nem mais ou menos perto dos ecopontos que visitei. Eu estava tão certa de que o que eu esperava aconteceria que fiquei sem rumo quando minha (pré-)pauta caiu.

Acho que nessa hora pesaram muito a falta de jogo de cintura e de experiência (sou formada em ciências sociais e estou começando agora no jornalismo). O excesso de confiança na pauta fez com que eu apostasse todas as minhas fichas em uma coisa só e não pensasse em um plano B.

Depois do baque, fui caçar outra pauta na rua na noite seguinte. Dei a sorte de trombar com um ensaio de bateria no vão do Masp, na avenida Paulista. Era possível ouvir a música à distância e muitos transeuntes paravam para ouvir. Achei curioso e já parti para a apuração. Peguei depoimento de alguns dos espectadores e esperei o fim do ensaio para conversar com alguém da bateria. Eles me disseram que não poderiam falar naquela hora porque precisavam ir à aula (era a bateria de uma faculdade). Um deles se prontificou a falar comigo no dia seguinte e me passou seu telefone.

Na tarde seguinte eu planejei mais ou menos o que escreveria e liguei para o meu contato, para pegar as informações que faltavam, nada muito complexo. Ele disse que estava ocupado e pediu que eu ligasse novamente mais tarde. Liguei várias vezes depois e só consegui falar com a caixa postal. Deixei recado com meu telefone e e-mail, mas ele não retornou. A essa altura, meu prazo já havia acabado e eu tinha uma pré-pauta caída, uma pauta que não consegui terminar de apurar e nenhum texto para entregar.

Disso tudo tirei duas lições: primeiro, é sempre bom ter uma carta na manga. Até a pauta mais certa do mundo pode cair. Segundo, às vezes é preciso ser insistente. Eu poderia ter tentado perguntar o que precisava já naquela hora ou acompanhado o rapaz no caminho até a faculdade. Por medo de ser inconveniente, acabei deixando para depois e fiquei sem matéria. Se eu estivesse no dia-a-dia da redação e não no treinamento, talvez ficasse em uma situação complicada.

E você, já teve dificuldade para apurar uma pauta que você mesmo inventou?

Comentários

  1. A trainee perdeu uma grande oportunidade de dar uma notícia boa. Uma grande parte dos jornalistas só se preocupam em falar de notícias ruins. Porém, existem alguns que conseguem contar histórias de iniciativas interessantes que acontecem na cidade de SP. Um exemplo de jornalista assim é Gilberto Dimenstein. Volta e meia, ele escreve sobre algo bom. Pode checar na coluna dele. E outra: para chegar na lama, o jornalista tem que ir mais longe do que só passar na frente do ecoponto e conferir que está tudo certo. Várias coisas poderiam estar ilegais ali, como a empresa que venceu a licitação para fazer a coleta…

    1. Mas essas maldades a gente só aprende com a experiência mesmo, Rodrigo.
      E nem toda notícia boa vale a pena. Ou pelo menos assim penso (mas daria um bom post :D). O que está apenas regular, no sentido de normal, sem problemas, ordinário, não faz sentido em ser noticiado, já que a obrigação do poder público é manter as coisas em funcionamento regular.
      Se houver uma iniciativa realmente boa sendo implementada (por exemplo, quando os ecopontos foram instalados pela primeira vez), aí sim é caso de noticiar. São essas coisas que o Dimenstein costuma pinçar.

    1. Também acho importante não desistir de tentar fazer suas próprias pautas, porque não é legal ser sempre pautado!

  2. “E você, já teve dificuldade para apurar uma pauta que você mesmo inventou?”

    ô! São as piores! Quando somos pautados costuma ser mais fácil, seja porque a história já passou pelo crivo do pauteiro, seja porque, se ela não se sustentar, a culpa não é sua. hehe

    1. Mas também é muito legal quando uma pauta que você bolou/descobriu desde o começo dá certo, não é? Na minha opinião os repórteres deveriam tentar sempre fazer os dois tipos de pauta (própria e “encomendada”).

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