Alô, personagem, você será capa e sua vida vai mudar
Nem sempre quando começamos a apuração de uma matéria sabemos exatamente onde ela vai parar. Se vai ser uma nota ou um abre, se vai ser capa do caderno ou manchete da edição: tudo depende da apuração em si, mas também das outras notícias do dia, que “concorrem” com aquela na edição.
Muitas vezes, como já falei por aqui, não sabemos nem sequer se as várias pessoas que entrevistamos terão espaço na matéria, depois de pronta.
No entanto, isso aos poucos vai se delineando. Em uma revista semanal, por exemplo, é mais comum já se ter uma ideia do que vai ser a capa com alguma antecedência.
Se cai uma bomba no seu colo, com grande potencial de ganhar destaque no jornal ou revista e de ter grande repercussão, é possível e desejável (salvo em algumas situações, como em casos de denúncia) que o personagem entrevistado seja alertado sobre o furor que a notícia poderá causar na vida dele.
É isso que o Gabriel Ferreira discute em post em seu blog, sobre o casal de oficiais do Exército que foram perseguidos por serem gays.
Leiam AQUI e depois nos digam: vocês concordam com o Gabriel?
Acho mesmo bem ponderado o comentário do Marcelo. Mas é uma linha tênue e nós jornalistas precisamos ficar muito atentos a ela. Se o entrevistado sabe que está falando com um jornalista para uma reportagem, se é tudo on the records, claro que, em tese, ele concorda com qualquer uso que se faça da entrevista. Na prática, porém, não é assim. Porque a edição tem poder, e foge do controle do entrevistado. Mas é difícil sair desse problema, porque o repórter nem sabe que destaque o editor dará ao seu texto (na maioria das vezes) e porque, se formos submeter a edição aos personagens, não fazemos mais jornalismo… Mas, mesmo que não ´dê pra resolver, é algo sobre o que devemos sempre refletir
A minha questão é a seguinte: eles procuraram a revista porque se sentiam ameaçados pela repercussão dentro do Exército da denúncia de corrupção que haviam feito (segundo a matéria da Piaui). No entanto, a capa foi em outro sentido, dando ênfase à homossexualidade dos dois. Nesse caso, eu como leigo acho que eles foram “traídos” em suas expectativas, e a reportagem tinha como identificar a mudança de foco e consequentemente de avisá-los.
Me pareceu semelhante a aquela capa da Veja com a Ana Carolina, “Sou Bi e Daí”. O foco da entrevista com ela não era em absoluto a homossexualidade, mas para quem leu a capa…
Mauro, sim, é um dos riscos a que os personagens da notícia estão expostos. Porque muitas vezes eles procuram jornalistas por um motivo, mas, durante a entrevista, aparece uma notícia maior, ou algo de mais impacto. E o jornalismo, sabemos, vive de novidade, de impacto, de relevância e de interesse. De preferência, uma combinação equilibrada dessas qualidades. Esse risco nem existe só quando o personagem procura o repórter. Até mesmo quando um repórter pede uma entrevista com uma determinada pauta, pode ser que, no meio do caminho, apareça algo melhor, mais interessante, mais urgente. Claro que, se for por má-fé (enganar o entrevistado com uma pauta para enredá-lo numa armadilha), será uma conduta errada. Mas esse tipo de descompasso entre o que esperava o entrevistado e o que aparece nos veículos não é um erro em si. Pode haver casos de erro ou exagero. Mas, na maioria das vezes, é da dinâmica mesmo da atividade;
Eu discordo do Gabriel.
A história dos soldados ilustra várias questões cujo debate é importantes e eles toparam ser fotografados, dar seu nome. Era notícia e eles foram corajosos. A reportagem foi bastante respeitosa. Se depois eles toparam dar entrevista a programas de auditório que exploraram os aspectos sensacionalistas do caso, o problema sai da seara do jornalismo e entra na do entretenimento.
O que ocorreu com eles depois foi responsabilidade da instituição onde eles trabalhavam. Duvido que eles, ao ter a coragem de dar entrevista, não desconfiassem que o Exército é uma instituição conservadora e que não toparia esse destaque numa boa.
Estive do lado de cá do gravador numa situação análoga, embora não comparável.
Certa vez, entrevistei um perito criminal especializado em informática numa reportagem sobre urna eletrônica. Para a mesma reportagem entrevistei o chefe da informática do TSE. Na entrevista só se tratou de assuntos de segurança da informação.
Por ter recebido destaque na entrevista, porém, esse perito enfrentou problemas com seus superiores na polícia. Não por causa do que disse, mas pelo fato de ter aparecido com o mesmo destaque que uma autoridade do TSE. Ciúme, aparentemente.
Fiquei chateado ao saber. Fui conversar com ele, por achar que podia ser culpa do que eu tinha escrito. Ele afirmou que eu não devia me preocupar, que o problema era o superior dele, e não o que ele disse ou o que eu escrevi. Isso é parcimônia.
Entrevistados com mais traquejo ao falar com a imprensa são bem treinados nesse sentido e calculam as consequências do que vão dizer. Entrevistados de primeira viagem não. Acho que vale a pena, em casos muito sensíveis, conversar com esses sobre as possíveis consequências.
Só que não tenho como fazer qualquer avaliação sobre a responsabilidade ou não de quem os entrevistou nesse sentido.
Acho que era notícia e era importante dar voz a quem topou botar o dedo no vespeiro. Só posso avaliar o tom da matéria (respeitoso), a coragem dos entrevistados (louvável) e as consequências que sofreram na instituição onde trabalhavam (reprováveis).
Fora isso, como não somos telepatas, só ouvindo quem os entrevistou. Ou dizendo “eu não faria assim”, o que é razoável mas não dá conta da questão.
Concordo com sua ponderação. E o objetivo deste post foi mais levantar a reflexão sobre como agir em casos assim do que criticar os repórteres da revista “Época”, que não fizeram nada de “errado” mesmo. bjos
Eu sei! Minha crítica foi ao post do Gabriel.