Ainda sobre comentaristas

Cristina Moreno de Castro

O professor Ramiro Gonçalez, colaborador assíduo do Novo em Folha (mas meio sumido…), nos enviou o texto abaixo, para nossa reflexão:

“Um estudo que venho realizando desde 2009 com vários blogs e veículos de notícia acaba de ser aceito num Seminário de uma Universidade da Suíça.

A pesquisa intitulada “Users Interaction Economic Value: can the Comment on News be Monetized?” foi aceita no  seminário “ International Conference on participatory Media, Journalism and Communication Roles and Business Model” (link –  http://www.amiando.com/SGKM2012.html).

E o NEF teve participação relevante nas hipóteses levantadas no estudo. Por isso compartilho com os colegas do NEF um resumo (bem sucinto) das conclusões do estudo. 

É interessante observar que, na área de estudos MÍDIA PARTICIPATIVA, o Brasil está liderando experiências e construindo conhecimento. Provavelmente pelo traço  participativo que temos em várias iniciativas culturais.

Ao estudar os possíveis caminhos do FUTURO DAS MÍDIAS, sabemos que ele será construído em 3 dimensões: i) Definição do Conteúdo, ii) Distribuição da Informação (plataformas) e iii) modelos de negócios.

Como não sou jornalista e muito menos especialista em plataformas (tecnologia), meu estudo sempre foi focado nos modelos de negócios das mídias.

A pergunta básica era (e é): Quem paga a conta? Como remunerar a produção de conteúdo de qualidade?

De uma padaria a uma fábrica de aviões, definir claramente a origem de receitas é fator chave de sucesso (sobrevivência) do empreendimento. E num mercado onde serviço é a informação, um conceito abstrato, nada mais difícil do que “monetizar” seu valor. É preciso definir seu modelo de negócios. Mas o que é isso?

Para simplificar um modelo de Negócios de qualquer empreendimento passa pela análise das fontes de receita (R) , dos principais custos da operação (C ) e os investimentos necessários ( I) .

As fontes de receitas historicamente para qualquer produtor de conteúdo (ex: cinema, rádios, jornais) foram: anunciantes, assinantes e venda avulsa. Dependendo da plataforma e do posicionamento do veículo, uma fonte era mais importante que a outra. A mídia digital trouxe mais uma possibilidade: a interação.

Como criar valor para a interação?

A primeira interação trivial é o “comentário” em blogs e notícias. Avaliar se ler e/ou postar comentário poderia ter valor econômico para o usuário da plataforma era um bom caminho para monetizar a interação. Para isso realizei uma pesquisa com uma amostra de estudantes de cursos de graduação e pós-graduação.

A premissa da pesquisa é que há valor econômico no comentário. Interagir não tem valor nulo, pois:

* é preciso moderar – utiliza tempo e capacidade de análise do jornalista/mediador;

* o veículo/blog é juridicamente responsável pelos comentários – portanto o comentário precisa ser aprovado, e

* o comentarista tem publicidade de suas idéias –  há uma valor econômico na propagação de um comentário do leitor .

Há portanto claramente um CUSTO DE INTERAÇÃO, para quem é o gerador primário da interação (jornalista).

Era preciso aprofundar e avaliar se havia interesse no usuário em participar da interação (ler/postar comentários).

Simplificando: Qual o interesse que o leitor/usuário tem em ler/postar comentários em notícias?

Alguns achados da pesquisa:

1) 62% dos leitores, imediatamente após a leitura de uma matéria de seu interesse buscam os comentários. Entre esses, 6% consideram comentários  mais relevantes que a própria notícia;

2) Entre estes 62%, 8% dos leitores (de notícias sobre celebridades, economia política e esportes) fazem questão de comentar a notícia;

3) 13% acreditam que o comentário corrige ou complementa a notícia.

Por outro lado também há valor econômico nos comentários para os veículos e, portanto, os comentaristas deveriam ser remunerados, pois:

(estas hipóteses são méritos do Roberto TAKATA, num debate no NEF)

>> Complementam ou corrigem a informação;

>> Representam audiência ao blog/veículo ;

>> Estabelecem vínculos duradouros e uma comunidade de comentaristas.

O ponto central da pesquisa era avaliar se o usuário estaria disposto a pagar para ler ou comentar notícias. E a resposta surpreendeu:

a) Entre leitores de comentários de ESPORTES – 13%- estariam dispostos a pagar para postar e ler comentários;

b) Entre leitores de comentários de CELEBRIDADES E ENTRETENIMENTO – 2%- estariam dispostos a pagar para postar e ler comentários;

c) Entre leitores de comentários de ECONOMIA E NEGÓCIOS – 12%- estariam dispostos a pagar para postar e ler comentários;

d) Entre leitores de comentários de  POLÍTICA – 5%- estariam dispostos a pagar para postar e ler comentários;

(Nota: respostas múltiplas – usuários/leitores que diariamente acessam sites e ou blogs de notícias)

Principal Conclusão: A interação passou a ter um valor e não pode ser mais desconsiderada numa plataforma de mídia.

Este é um dos resultados mais interessantes da pesquisa que será publicada em detalhes no seminário em abril de 2012.”

Comentários

  1. Telma relamente interessante e para mim mais em relacao aos aspectos de estrategia das empresas e seus modelos de negocio. Acho tambem surpreendente o resultado da pesquisa, mas nao podemos esquecer que os consumidores as vezes nos surpreendem – fazendo um paralelo meio bobo vemos pessoas em filas para entrar num nightclub (que é uma espécie de preco extra para entrar) e quanto maior a fila maior a atratividade do local.
    A questao fundamental para mim é estabelcer que necessidade dos consumidores está sendo coberta, e ai estabelcer formas de atrair este consumidor com um modelo adequado.
    Outra coisa que nao podemos esquecer, é que o preco pode ser cobrado de diversas formas, da exigencia de assinatura até acesso a dados pessoais para utilizacao futura – por exemplo com exigencia de login.

    1. Tema inexplorado e interessante. Realmente preciso fazer uma análise correlação estatística para avaliar se mais comentários atraem mais audiência. Será necessário um desenho de pesquisa que tenha 2 notícias com o mesmo conteúdo. Grato. Ramiro

  2. Excelente Ponto do José Castro,
    Não pesquisei o assunto, mas há evidências que existe o “comentarista pago” ou até mesmo a “patrulha-política” paga.
    Mais um fator a considerar na cobrança de comentários.
    Minha próxima pesquisa é quanto adicionalmente uma notícia com comentários atrai outros comentaristas. Evidências empíricas mostram que SIM, o processo se realimenta. Acredito que o fato da FSP ordenar os comentários também atraia + comentaristas (p. votar nos comentários) . Bela sacada (inédita em outros veículos) da FSP. Ana, Gostaria muito de entrevistar quem bolou essa estratégia. Ramiro
    PS aceito ajuda na pesquisa.

  3. Excelente tema. Há algum tempo eu havia percebido que comentários têm valor, embora não tivesse pensado que algum dia ele seria pago. Agora desconfio que em alguns sites mais influentes alguém já esteja recebendo dinheiro para comentar, pago não pelo dono do site, mas por políticos, empresários e por outros que tenham interesse em melhorar sua imagem pública. Daí ao próprio site começar a pagar a alguns comentaristas mais relevantes, vai depender de seu faturamento. Para confirmar a importância dos comentários para o site, seria preciso que uma pesquisa revelasse (talvez o Ramiro Gonçalves já tenha feito isso) como o número de acessos é influenciado pelo número de comentaristas e comentários. Pode ser que o Observatório da Imprensa, por exemplo, ou o Comunique-se (só para ficar em dois sites muito frequentados por jornalistas e que defendem a transparência) estejam dispostos a colaborar nessa pesquisa…

  4. Angelo, Realmente é a pergunta de 1 milhão de dólares?
    a experiência realizada em uma revista nacional é permitir ler/comentar apenas assinantes. Vale a pena conferir os resultados do estudo em Abril. Abs Ramiro

  5. Olá Juliana,
    Muito boa sua observação sobre a amostra utilizada. Há sim um viés amostral (os colegas estatísticos do DATAFOLHA provavelmente concordam com você) . A amostra utilizada foram alunos de pós e MBA, o que traz um clustter amostral muito específico em aspectos demográficos, sócio-econômicos e comportamentais. Um achado contra-intuitivo é a descentralização . A atenção despertada pelo broadcast ainda é relevante. O ponto a entender: o usuário quer construir conteúdo com o comentário (para o bem ou para o mal)
    ps- O Resultado apresentado aqui é parte pequena do estudo. Em abril apresentarei o estudo completo. Talvez tire suas dúvidas lá. abs Ramiro

  6. Oi, Ramiro. Eu gostaria de saber qual é a faixa etária das pessoas que responderam a pesquisa acerca do pagamento de comentários. Achei mesmo surpreendente o resultado, ainda mais por as redes sociais estarem abarrotadas de reproduções de matérias para troca de opiniões entre participantes de fóruns. Eu imaginava que a tendência era descentralizar as participações nos sites oficiais para que as questões fossem discutidas em grupos virtuais de interesses comuns… Acho interessante também pensar na interação, seja ela leitor-leitor ou leitor-veículo. Em sites oficias de notícias e blogs, tenho a impressão de que é muito baixa, é mesmo? Em vários sites, parece que as pessoas falam sozinhas, acho paradoxal pensar em como para elas isso tem valor, uma vez que a suposta graça da internet estaria em conversar e não em relações unilaterais. Adorei as informações, adoro estes assuntos referentes às novas mídias =).

  7. Outro blog de referência é o TODO MÍDIA que agora chama NELSON DE SÁ. Recomendo pela visão econômica dos processos de comunicação.
    (pena que a interação é fraca nele) . abs Ramiro

  8. Já tenho uma linha de pesquisa para o TCC do Mateus: “O veículo deve ordenar os comentários?
    Qual o critério para ordenação?”
    Alunos de graduação que queiram estudar o tema podem me procurar . abs Ramiro

  9. Alexandre, realmente a interação não será a principal fonte de receitas (ainda acredito em anunciantes e assinatura), mas será uma fonte marginal de resultados. Veja a experiência do Financial Times. Você que é um campuseiro (e provavelmente adora jogar games) acredita que utilizar “comentários” é como um game? Interagir com outros leitores? ainda não tenho respostas, mas é bom experimentar. abs Ramiro

    1. Sim, acho que os estudos nessa área ainda são muito incipientes, né? Fora o prof. Ramiro, conheço poucos estudiosos abordando o tema.

  10. Mateus, bacana você se interessar pelo tema.
    Entrei no seu blog e deixei um comentário.
    Afinal praticar é melhor que teorizar ;D
    ps- Qual o motivo da ordenação dos comentários da FSP? (iniciativa única aqui e no exterior) a bola está com Luisa! (Luisa, bem vinda as polêmicas… esta é a vida interativa…)

  11. Há um fato curioso: A FSP adotou um sistema que soma “likes” e “dislikes” nos comentários para classificá-los. A ordenação de comentários já é uma forma de atribuir valor. PS – não conheço nenhum veículo que adote o mesmo algoritmo. Vale a pena entender a motivação da FSP ao adotar a medida. Ramiro

  12. Olá Cris e Takata, uma revista de negócios nacional só permite acesso a postar/ler comentários quem for assinante. O estudo de casa ANTES/DEPOIS de implementar o sistema de acesso, informa que aumentou em 6% o número de assinantes. É muito pouco ainda, mas é um sinal. abs Ramiro (ps obrigado TAKATA pelos questionamentos há um ano. Eles foram úteis na definição do estudo)

  13. Participei do Campus Party e minha dúvida era justamente essa. O pessoal está trabalhando de graça? Esse é o futuro? Não ficou claro se pagar por comentários trará bons salários… Beto

    1. Eu também não sei responder, por isso vou deixar para os experts, o Ramiro, o Takata e a Cris! E então, professores? O que dizem ao Beto?

    2. Não existe almoço grátis. Sempre alguém estará pagando: anunciantes, assinantes, contribuintes, doadores/voluntários… P.e., no FB, as pessoas postam seus conteúdos sem ganhar nada, o FB tb não cobra dos usuários: mas os usuários pagam ao FB na forma de informações pessoais e audiência – e o modelo de negócios atual do FB se baseia na publicidade (não sei se atingiu o nível de sustentabilidade econômica – ou se ainda está no vermelho e depende de grana de investidores).

      Uma frase que usam: se vc, usuário, não está pagando, é porque vc é o produto. E muitas vezes, vc paga e é ainda o produto – como qdo operadoras de cartão vendem suas informações (mesmo sendo ilegal) a terceiros.

      []s,

      Roberto Takata

      1. Um pouco maniqueísta e mercantilista, não blogbudsman? É bem racional, bem lógico, mas, se quisermos, podemos reduzir tudo, tudo na vida a relações de interesse. O bebê só gosta da mãe porque quer leite, a mãe só gosta do filho porque quer disseminar seus genes… Ou não? 🙂 Ana

  14. Oi Cristina, tudo bem? Eu estou no quarto ano da faculdade e tenho pensado no meu TCC, que farei o ano que vem. Um dos assuntos que me ocorrem é sobre essa questão dos comentários de leitores. Gostei muito da pesquisa do professor Ramiro Gonçalez. Será que vocês me passariam o contato dele? Gostaria muito de trocar uma ideia com ele. Obrigado!

    1. Mateus, a gente vai repassar sua mensagem para o Ramiro. Ele vai ficar contente de ver os comentários do blog servindo para produção de conhecimento, hehehe. Ana

  15. Tenho um blog e sempre me perguntei como fazer ele dar retorno. Faltou o autor dizer que esses conceitos valem para grandes veículos.
    grato

    1. Sim, para blogs pequenos acho que não daria certo.
      O meu pessoal, por exemplo.
      Mas ainda vale a lógica de que é sempre bom interagir com os leitores e postar com frequência.

  16. Interessante. Sempre bom qdo há levantamentos mais sistemáticos. Eu só levanto a minha sobrancelha esquerda para as respostas dos que dizem q estariam dispostos a pagar para comentar. Não pagam nem pelo conteúdo… Mas a prova dos noves será qdo implementarem sistemas de cobranças por comentários.

    []s,

    Roberto Takata

    1. Pois é, vamos ver se o Ramiro nos diz: algum veículo de algum país já implementou cobrança para comentários e deu certo?

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