Há limites para as perguntas?

Ana Estela de Sousa Pinto

 Jorge Araújo/Folhapress

Daqui a pouco tem Santos e Corinthians, o melhor clássico do futebol paulista (talvez do brasileiro?) na atualidade.

Estava ouvindo o rádio enquanto vinha para a Folha e um repórter perguntou ao juiz da partida:

— Apitar um clássico com o Neymar é mais difícil? Porque o Neymar é craque em cavar faltas, né?

Fiquei pensando: uma questão dessas não funciona como uma espécie de pressão ao juiz? Como se dissesse “Olha, nós da rádio estamos de olho para ver se você vai cair nas artimanhas do Neymar”.

Ou não?

Se o repórter está convicto de que o Neymar adora cavar faltas, há problemas em expressar isso numa entrevista com o juiz?

E se ele estivesse “jogando verde para colher maduro”? Ou seja, se o objetivo dele fosse justamente averiguar se o juiz já tinha alguma prevenção contra o jogador, nesse caso seria válido?

Mais uma dúvida: o fato de ser ao vivo afeta o tipo de pergunta que podemos fazer?

Comentários

  1. Não! A pressão maior virá dos próprios jogadores, durante a partida. O juiz já sabe que indiretamente (ou diretamente?!) ele faz parte do espetáculo e vai ser avaliado pela imprensa esportiva. Grande parte dos árbitros não costuma dar entrevista antes dos jogos. Se o repórter se aproximou – talvez durante a inspeção que o juiz faz no campo, antes do início do jogo – e viu que havia “abertura” para lascar uma pergunta, foi lá e fez! Também não vejo que há problemas em expressar, já na pergunta, que o Neymar adora cavar faltas. Vejo até certa inteligência do repórter pois, dessa forma, ele vai “direcionar” ou tentar “fechar” a resposta, não deixando espaço para que o juiz diga: “Olha, o Neymar é estrela, craque, mas, para mim, todos os 22 em campo são iguais..”. A pergunta “direcionada” cumpre justamente a função de averiguar se o juiz virá “armado” contra o jogador cai-cai. Sim, creio que o “ao vivo” influencia no que vamos perguntar. Até porque ninguém gosta de levar “toco” ao vivo… Ainda assim, respondendo ao título do post, creio que há sim certos limites para perguntas. É preciso ser sábio para enxergá-los! Confiando na memória, acho que Cremilda Medina, em “Entrevista – O Diálogo Possível”, traz algumas dicas interessantes… Abs

    1. Obrigada, Romeo! Seus argumentos são interessantes. Embora sempre haja espaço para o entrevistado se desviar, né? No caso, o juiz respondeu “Isso quem está dizendo é você. Eu vou aplicar as regras do jogo”. =D Ana

    1. Luis, eu não faria um pergunta que denunciasse que tenho uma opinião desfavorável sobre algo que estou cobrindo. Não é fácil, mas o ideal é sempre o jornalista estar aberto a todas as versões e impressões. Se ele acha que o Neymar é cai-cai, talvez ele devesse fazer o esforço de olhar o inverso, de ver se ele não é violentamente caçado em campo. Há alguns anos (nossa, o blog já tem anos…) escrevi um post sobre essa necessidade de tentar não se deixar envolver por nossas preferências e preconceitos. Vou ver se encontro para postar aqui. Ana

  2. Não acho que deva haver limites para perguntas – é como dizem, perguntar não ofende (com ressalvas). Mas “a pergunta em questão” (hehe) talvez mereça ser considerada em um contexto; talvez o repórter fosse corintiano, talvez o repórter não aguente mais as supostas quedas exageradas do Neymar, ou talvez o repórter simplesmente não tenha pensado uma maneira mais neutra de perguntar (como o Takata sugeriu, por exemplo).

    De todo modo, eu, se fosse juiz de futebol, me reservaria ao direito de não dar entrevistas antes dos jogos, justamente para evitar perguntas que pudessem soar tendenciosas.

  3. A pergunta mais chocante que eu já ouvi foi de um radialista durante uma coletiva com o FHC em 2008. Era uma homenagem a Ruth Cardoso, aqui em Maceió e eu estava fotografando. Ouvi o repórter perguntar porque o FHC não tinha chorando durando a homenagem, se ele não tinha coração ou era uma pessoa insensível? Fico pensando que tipo de pessoa sem noção faz uma pergunta dessa a um ex presidente, numa oportunidade tão rara. Onde estaria o bom senso dessa criatura… Agora não sei se a criatura tava fazendo isso ao vivo (não tava identificado e usava um celular), mas ao menos tomou uma reposta (quase) à altura (eu teria sido mais grossa).

  4. Que fique bem claro que radialista não é jornalista.Aquele expressou uma opinião pessoal que na verdade, não interessa ao ouvinte. Mas deixa claro sua opinião questionável sobre o craque. O radialista
    certamente é corintiano, Isso põe sob suspeita seu trabalho que deveria ser insento, Acho que o diretor de esportes da emissora já deve ter tomado alguma providência em relação a parcialidade do entrevistador.

      1. Ana, infelismente, um dos requisitos básicos para ser radialista é a vóz e não o conhecimento. Não me consta que para trabalhar em rádio o(a) cidadão (a) deva apresentar diploma ou registro no Ministério do Trabalho.
        Mas diferença mesmo vc vê no interior do Brasil. A maioria simplesmente lê o que os jornais publicam, sem ao menos citar a fonte. Pauta local é uma raridade
        Não é bronca com eles, não, minha querida Ana, é uma simples constatação

  5. Cara Ana.
    Boa noite. Existem limites para perguntas de outras editorias? Perguntar a um político se ele é corrupto, ou a um assassino confesso se ele foi cruel é assim por diante é incorreto? As perguntas, antes de sofrerem algum tipo de limite, deveriam ter bom senso, sempre ele. Perguntar se determinado jogador é cai-cai, na minha opinião, é o mesmo que dizer, olha Exmo. Sr. Dr. Político X, o senhor troca cargos por apoio? Como provar o cai-cai ou o dando que se recebe? Caímos no terreno do subjetivismo, que deve ser visto sim, como uma forma de pressão.
    Via de regra, percebemos que os jornalistas esportivos transmitem esses comentários/questões antes de determinados jogos; será que se o adversário fosse a Catanduvense, ou a sua Portuguesa, esse questionamento seria realizado?
    Saudações.

    1. Auricchio, se fosse com a Lusa, certamente não haveria essa pergunta, porque nossos bravos jogadores nunca cavam faltas! 🙂
      Mas você tem razão quanto ao bom senso.
      Só acho que as comparações são um pouco diferentes. Seria como perguntar a um juiz criminal se ele acha mais difícil julgar um caso cujo réu é sabidamente um maníaco sangrento, ou como perguntar a um conselheiro do Cade se ele tem mais dificuldades nos casos daquela empresa que é conhecida por formar cartéis…

      1. Ana, expressei-me mal, não me referia a Catanduvense ou a Portuguesa como agentes do ‘cai-cai’ e, sim, como vitimas, pois a pergunta sobre o Neymar foi feita as vésperas do clássico contra o Corinthians, como convém a maior audiência. As perguntas acabam sempre sendo feitas de maneira despretensiosa, quase tolas mesmo ou de maneira extremamente mal intencionadas, buscando colocar algum tipo de pressão no questionado.

  6. É comum que a maioria das perguntas feitas pelos repórteres esportivos não seja uma pergunta no seu sentido tradicional. A maioria faz a pergunta e dá a resposta, induzindo o entrevistado.

  7. Acho que jogar verde pra colher maduro é uma tática perigosa: com fontes acostumadas a dar entrevistas a chance de se voltar contra o repórter é grande.

    1. sim. quando a gente usa isso como técnica, é bom já prever todas as possíveis reações. Ana

  8. Penso que a chance de jogar verde e acabar colhendo verde é bem grande, porque esse tipo de pergunta só favorece a resposta que o juiz vai dar.
    Se eu fosse o juiz, por exemplo, responderia sem vergonha, no maior clichê, que todos os clássicos são difíceis, e que o tratamento a todos os jogadores deve ser igual, a atenção é igual independentemente de clube e do nome, por aí vai.
    Mas, vai da tentativa. E se o juiz tivesse respondido alguma coisa inusitada??

    1. O juiz foi esperto. Respondeu assim: “Isso é você que está dizendo”. Mas será que, mesmo que inconsciente, ele já não ficou predisposto a uma má-vontade com o Neymar? Ana

      1. Pode ser. Mas, até que ponto o jornalista deve questionar a ponto de parecer estar induzindo uma atitude do juiz (ou de outra pessoa)?
        A má-vontade do juiz só será comprovada depois do jogo.
        É muito comum falarem de ‘apito-amigo’ em relação ao Corinthians, mas, será que todos os jogos do clube são assim?
        Como um jornalista vai perguntar ao juiz, antes do jogo, se ele ficará esperto com possíveis gols impedidos e jogadas irregulares que favorecerão o time?

Comments are closed.